terça-feira, 27 de outubro de 2015

‘Há resistência de admitir a violência específica contra a mulher’,

Paulo Saldanã
 
26 outubro de 2015 
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As redes sociais fervilharam assim que o tema da redação do Enem foi revelado na tarde de domingo, 25. Os estudantes tiveram que escrever um texto sobre “a persistência da violência contra a mulher no Brasil”, o que causou uma enxurrada de elogios à pertinência do texto, mas também inspirou críticas ao que seria um “doutrinação”.
 
Para a antropóloga Michele Escoura, assessora da área de Educação para Jovens e Adultos (EJA) da Ação Educativa, a escolha do tema não deixa de ser um ato de militância. “Boa parte das reações contrárias, inclusive dos adolescente, é de desmerecimento da questão”, diz ela “Ainda existe muita resistência de admitir uma violência específica contra a mulher, uma violência específica de gênero”.
 
Pesquisadora das questões de gênero na USP e Unicamp, Michele pontua que essa não é uma pauta “de esquerda ou de direita”. “A reivindicação dos direitos das mulheres ultrapassa qualquer posicionamento politico e econômico.” Leia abaixo a entrevista exclusiva ao blog:
 
Michele Escoura / REPRODUÇÃO
Michele Escoura / REPRODUÇÃO
 
O que achou do tema da redação?
 
Eu fiquei muito feliz. No início do ano, a presença dos termos de gênero nos planos municipais e estaduais de Educação transformou o tema em uma grande polêmica e as menções foram retiradas. Menções a essa preocupação já existiam há muito tempo em orientações curriculares, sem que houvesse polêmica. Mesmo assim, nenhuma política havia sido colocada de maneira forte nesse sentido. As políticas nunca deram muita importância para isso. Mas como, hoje em dia quem de fato pauta a currículo é o Enem, é uma transformação. Por mais que haja as diretrizes curriculares, as escolas se pautam muito mais pelo Enem, os professores direcionam as aulas partindo dos pressupostos do que vai cair na prova.
 
Após o tema ser conhecido, algumas pessoas acusaram o MEC de usar a prova para fazer militância ou doutrinação ideológica. Por que um tema como esse, de violência contra a mulher, causa toda essa polêmica?
 
De alguma forma, falar sobre isso ainda é considerado uma militância mesmo. Porque boa parte das reações contrárias, inclusive dos adolescente, é de desmerecimento da questão. O que mais se ouve é que o “homem também morre”. Quando houve a aprovação da Lei Maria da Penha, falavam em tom de brincadeira que faltava uma “Lei João da Penha”. O problema é que existe uma hierarquia de gêneros muita naturalizada na sociedade. Ainda existe muita resistência de admitir uma violência específica contra a mulher, uma violência específica de gênero. Muitas pessoas ainda não entenderam a situação, não conseguiram desnaturalizar que existe uma desigualdade. Temos de reconhecer que há desigualdade.
 
Como entender isso?
 
Um exercício simples para isso é olhar para um caso clássico de violência contra a mulher e inverter os papeis. O caso Eloá (Cristina, jovem que foi morta pelo ex-namorado, Lindemberg Alves, em 2008), por exemplo, em que uma menina de 18 anos termina o namoro, o rapaz a mantém em cárcere privado e depois assassina a menina. Agora pense em um jovem homem que termina o namoro e uma menina faz isso. A gente ouve noticias desse tipo? Não ouve, uma informação como essa causa estranhamento. Quando a gente inverte os papéis e isso provoca esse estranhamento é por que se trata de um caso típico de violência de gênero. Todos os dados que o Enem colocou como subsídio para que o candidato escrevesse a redação estão para comprovar que existe uma questão por trás. Falar sobre isso ainda requer algumas posturas políticas, que não necessariamente passa pela esquerda. Muitos debates femininas vêm de liberais dos Estados Unidos.
 
Por que se mistura a discussão de gênero com posicionamentos ideológicos, partidários, como se esse fosse um tema esquerda? Há uma confusão?
 
Nos Estado Unidos, o movimento feminista sempre esteva acima de qualquer posição política e econômica. Você encontra discussões de liberais e socialistas sobre o mesmo tema. Já na França, o feminismo esteve sim mais associado ao socialismo. A própria Simone de Beauvoir era uma militante socialista. Mas, no contexto desta semana, com o Enem, a discussão acabou se confundindo com a instabilidade do governo federal por causa da institucionalidade que tem o Enem, exame realizado pelo Ministério da Educação. De alguma forma, acabou-se entrando na dança das polaridades da política brasileira. O que, no final das contas, é uma grande falsidade. A reivindicação dos direitos das mulheres ultrapassa qualquer posicionamento politico e econômico.
 
Como isso tudo chega na escola?
 
As escolas não estão separadas do que a sociedade pensa. O muro da escola é alto, mas não bloqueia tudo. A escola não é um espaço imparcial, acima da sociedade. Muito pelo contrário, são as mesmas pessoas da sociedade que circulam na escola. Se você não faz um tipo de ação de política pública para combater a desigualdade, é certo de que todos os estereótipos da sociedade vão estar na escola. Principalmente porque você tem uma questão séria na formação de professores. Eles saem da universidade sem discutir as questões de gênero e os reflexos desse tema. E quando não tem politica pública intencional, é lógico que vai acabar se perpetuando dentro da escola as visões e estereótipos da sociedade.
 
Nesse sentido, a retirada das menções de igualdade nos planos dificulta o trabalho na escola?
 
Pensando na conjuntura dos planos municipais e estaduais, em que se retirou as questões de gênero, o Estado brasileiro está se desresponsabilizando de fazer qualquer ação de igualdade de gênero dentro das escolas. Outra coisa é que os jovens alunos têm cada vez mais acesso a informações que não necessariamente estão na escola. E a partir do momento em que ele acessa algo na internet, ele leva para a escola. Apesar de os planos terem retirado a palavra gênero, cada vez mais os estudantes reivindicam esse debate na escola. Eles estão levando de maneira autônoma, estão levantando os debates, já há uma discussão da própria noção do que é violência. A gente  recebe cada vez mais casos de assédio contra meninas, que é um tipo específico de violência contra a mulher. Antigamente, havia os  casos de assédio e elas ficavam quietas, achavam que era culpa delas. Agora elas se posicionam. Em uma situação como essa, quem fica em posição de maior vulnerabilidade são, com certeza, são os professores. Os alunos trazem as denúncias contra as meninas, de assédio, mas como o Estado não oferece formação para enfrentar esse tema, os professores ficam reféns dessa situação. As ações ficam à mercê da disposição individual de professores e escolas. Algumas escolas vão procurar que o precisa, outras vão colocar debaixo do tapete. O mínimo que o Estado deveria dar é formação, como um material específico. Quando se vetou o kit anti-homofobia (material educativo cuja distribuição foi vetada pelo MEC em 2011 após pressão da bancada evangélica), a maior perda foi para os professores, que ficaram sem acesso de informação. Dessa forma, é mais provável que as escolas particulares vão conseguir mais autonomia para incluir de maneira mais institucionalizada esse tema do que as públicas. Uma pena, porque mais uma vez você coloca as escolas particulares com condições melhores do que as públicas.
 
O MEC e lideranças dentro pasta, como próprio ministro Aloizio Mercadante, reforçam a necessidade de trabalhar com gêneros, o papel laico da escola. Assim como a maioria esmagadora dos especialistas de educação. Mas neste ano, vários planos municipais e estaduais de Educação tiveram a retirada de menções ao combate à desigualdade de gênero. Um comitê do MEC também teve de voltar atrás de usar o termo gênero. Há uma derrota nesse sentido?
 
Tenho a impressão de que existe grupos que têm misturado questões morais com política, religião com política. E são grupos muito diversos. Muitos grupos religiosos tentam normatizar a moral, por meio do poder legislativo, partindo do pressuposto da própria moral. É uma tentativa de universalizar suas próprias concepções, como a de família, por exemplo. Esses grupos têm ganhando força, mas, no limite, existe uma briga entre Legislativo e Executivo. O executivo tem ficado cada vez mais refém do Legislativo nessas questões, que acabaram se tornando moeda de troca pela governabilidade.  É uma coisa que destoa dos fundamentos da democracia.  
 
E qual prejuízo para os alunos?
 
Quando se pensa no fundamento da democracia, na educação como Direito fundamental do cidadão, é dever do Estado que os estudantes acessem a escola e se mantenham.  E essa desigualdade de gênero também afasta os alunos da escola. Quando falamos de gênero, não falamos só de mulher, mas também falamos sobre os grupos LGBT e também dos meninos. A maior parte dos adolescentes que hoje saem da escola são de meninos negros, principalmente nas periferias das grandes cidades. Porque nesses lugares se estabelece a ideia de que a masculinidade tem a ver com insubordinação, e o menino assume para si uma identidade. Esse grupo de alunos são os que mais são expulsos. Precisamos entender que estamos falando deles também quando falamos de gênero. Estamos falando de muitos grupos. É importante que a gente continue de alguma forma a reivindicar as discussões, ainda que de maneira paralela ao Estado, uma vez que o Estado tem colocado de lado essa discussão.
 

Os jovens têm a maior vulnerabilidade, a partir do momento em que você nega uma situação. Você negar que o estudante tenha acesso a esse tipo de conhecimento produzido internacionalmente, que é discussão teórica há mais de 30 anos, que está presente em todas as universidade renomadas no mundo, é negar que a escola seja o canal de divulgação do conhecimento científico. É o Estado brasileiro negando um dos papéis fundamentais, que está na Constituição, de divulgação dos conhecimentos independentemente das posições. As questões de gênero são reconhecidas pelas Nações Unidas, pelas academia. A esses estudantes isso tem sido negado. E a partir deste ano, a negação foi maior ainda.
 
E como dialogar com os adultos?
 
A grande dificuldade de conscientizar e educar a população adulta é que eles não estão mais institucionalizados, como é o caso dos jovens que estão na escola. Com os adultos a comunicação é mais dispersa. Às vezes, quem acaba fazendo esse papel de é a TV, as novelas. Quando houve uma discussão do beijo gay na novela, teve uma boa parte da população que repensou seus próprios valores. Vira tema das conversas em casa.
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segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Por uma Educação de qualidade


Detentos reduzem tempo na cadeia com leitura de livros

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Em vigor há mais de dois anos, a Recomendação 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem uma proposta simples: fazer o preso ler mais para ficar menos tempo na cadeia. Porém, apenas três presídios de Minas Gerais adotaram essa forma de estimular detentos a cumprir pena mais rapidamente: Itabira, Poços de Caldas e Governador Valadares, o que significa 2,1% das unidades prisionais do Estado. Além deles, a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) de Nova Lima segue a recomendação, segundo a qual, a cada livro lido, resenhado e avaliado por uma comissão, o preso tem direito de abater quatro dias no cumprimento da sentença.
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Na opinião do desembargador Jarbas Ladeira, coordenador do programa Novos Rumos, que monitora e fiscaliza o sistema carcerário no Estado, diante do atual cenário de presídios lotados e interditados, são necessários métodos que vão além da prisão de pessoas. Para ele, obras que variam da filosofia aos temas religiosos podem ser ferramentas para desafogar o sistema prisional e contribuir para a reinserção de um homem melhorado na sociedade. “A opinião pública quer que se encarcere mais e mais. Mas não temos onde colocar tanta gente. Se pudermos dar ao preso leitura e educação em vez do ócio, teremos as bases para reduzir até os índices de reincidência, que chegam a 85%”, avaliou.
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A avaliação de Ladeira está em sintonia com últimos dados revelados pelo relatório “Mapa do Encarceramento: Os Jovens do Brasil”, divulgado em junho deste ano pela Secretaria Geral da Presidência da República, que mostra o crescimento de 624% da população carcerária no Estado entre 2005 e 2012.
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Adoção. Segundo o CNJ, por se tratar de uma recomendação, não há a obrigatoriedade de implantação da medida pelos presídios. Entretanto, para o juiz Thiago Colgano Cabral, responsável pela adoção da recomendação, em maio deste ano, na Penitenciária Francisco Floriano de Paula, em Governador Valadares, a iniciativa pode ajudar a mudar o que ele chamou de funil: um imenso movimento de entrada de detentos nas penitenciárias, mas mínimo de saída. “O Judiciário não tem gestão de política pública. A remição pelos livros é forma de reconhecer o direito do preso sem significar afrouxamento indevido”.
 
Segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social, não há limitação material para a adoção da recomendação, uma vez que a maioria das unidades prisionais já teria bibliotecas estruturadas. A pasta informou, ainda, que a minuta de resolução para implementar e regulamentar a remição de pena por meio da leitura já havia sido elaborada e encaminhada ao Tribunal de Justiça de Minas para análise e assinatura conjuntas.
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Alcance
 
Redução. Apesar de Minas Gerais ter uma população carcerária de 45.540 pessoas nos regimes fechado e semi-aberto, apenas 671 presos se beneficiam da remição da pena pela leitura.

Academia de Letras apoia iniciativa 
Na Penitenciária Francisco Floriano de Paula, em Governador Valadares, na região do Rio Doce, 553 presos se beneficiam da remissão de pena por meio da leitura de obras literárias. Para cumprir a medida, foi firmada uma parceria com a Academia Valadarense de Letras (AVL), que colabora para o desenvolvimento do projeto. Mensalmente, os detentos recebem palestras realizadas pela equipe da AVL sobre práticas de leitura. A análise e a correção das avaliações escritas pelos presos são feitas por comissão composta por escritores, advogados, educadores e bibliotecários, membros da AVL. Por lá, o projeto está em prática desde maio desse ano.

No presídio de Itabira, o projeto está em andamento desde janeiro deste ano e atende 15 detentos.
Em Poços de Caldas, onde a biblioteca conta com mais de 400 exemplares, 23 presos produzem mensalmente as resenhas das obras que leem. 
 
Fonte: O Tempo (MG)             

"Somos um país intolerante, racista e violento"

Átila Roque (Foto: Istoé)

"Somos um país intolerante, racista e violento"
 
Diretor da Anistia Internacional, que teve pai assassinado num assalto, diz que reivindicar vingança é demagogia e que a polícia usa a lógica da guerra para instaurar o vale-tudo por Fabíola Perez (fabiola.perez@istoe.com.br)                            

Uma pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública na semana passada revelou que o número de mortes violentas cresceu em 18 estados em 2014. O estudo traz dados assombrosos: 58.559 pessoas foram assassinadas no País. É como se um brasileiro fosse morto a cada dez minutos vítima de assassinatos, latrocínios ou pelas mãos da polícia. “A violência sempre ocupou um lugar central no País”, afirma Átila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional.
 
A taxa de homicídio de 26,3 (a cada 100 mil habitantes) mantém o Brasil na lista dos 20 países mais violentos do mundo, à frente de Ruanda e da República Dominicana, segundo o Escritório para Drogas e Crimes da Organização das Nações Unidas (ONU). A Anistia Internacional, que monitora sistematicamente a violência, chama a atenção das autoridades para um cenário que classifica de “tragédia civilizatória”.
 
Em relatório recente, foram registrados no Rio de Janeiro, por exemplo, 8.466 homicídios decorrentes de intervenção policial entre 2005 e 2014. Sem a implantação de uma política pública, diz Roque, policiais e jovens da periferia continuarão sendo vistos como objetos descartáveis na ponta do sistema. “É a constatação do desamparo integral da polícia e da população pelo Estado.” 
 
A entrevista está na Istoé:
 
Istoé - O Rio de Janeiro vive atual­mente um estado de guerra?

Átila Roque - Não. O Rio vive um estado de esgarçamento de suas contradições, de conflitos e desigualdades. A ideia da guerra vem sendo utilizada para justificar a implantação de certas medidas. Em alguns territórios de exceção, onde o Estado de Direito estaria suspenso, cria-se um espaço onde vale tudo. Não existe um poder paralelo, mas a bandidagem se organiza em função da corrupção e do apoio que encontra em parte da sociedade. Existem grupos e setores que se beneficiam do crime. O crime organizado é um pacto perverso entre organizações criminosas e poder político. Entre quem ganha prestígio, poder e dinheiro.
 
Istoé - A Anistia Internacional se dedica a denunciar casos de autos de resistência. É possível diminuir letalidade policial em estados como o Rio de Janeiro?

Átila Roque - Há indícios fortes de que boa parte dos autos de resistência são execuções sumárias, ou seja, o policial simplesmente executa o suspeito. O policial entra na periferia para matar e não para prender. A política de segurança não pode ser ancorada na ideia de que existe um inimigo a ser combatido. O Ministério Público não está exercendo seu papel de controle externo da polícia. A versão do policial prevalece na maior parte dos casos. Somente quando alguém filma ou quando uma imagem vaza a versão do agente é contestada. O combate à impunidade é um fator determinante para impedir que policiais atuem como matadores. Eles imprimem em sua estratégia a lógica da guerra. 
 
Para acessar ao restante da entrevista: http://www.istoe.com.br/capa -   N° Edição:  2393 |  09.Out.15 - 20:00 |  Atualizado em 26.Out.15 - 12:32

Enem dá salto na área de Humanas

 
Por Rudá Rícci (Professor e cientista político)
 
Não dá para deixar de elogiar o Enem deste ano ao incluir Weber, Simone de Beauvoir, Hobbes e Nietzsche. Os cursinhos preparatórios devem ter pirado o cabeção.
 
Bem que o MEC poderia pegar carona e desenvolver um projeto mais ambicioso (incluindo criação de ONGs Jovens, melhorando a bobagem de Empresa Jovem para desenvolver esta concepção empresarial de empreendedorismo) para o Ensino Médio.
 
Vejam algumas questões:
 
Questão 26. A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito, que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que um deles possa com base nela reclamar algum benefício a que outro não possa igualmente aspirar. HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
 
Questão 34. A filosofia grega parece começar com uma ideia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida, está contido o pensamento: Tudo é um. NIETZSCHE, F. Crítica moderna. In: Os pré-socráticos. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
 
Questão 40. A crescente intelectualização e racionalização não indicam um conhecimento maior e geral das condições sob as quais vivemos. Significa a crença em que se quiséssemos, poderíamos ter esse conhecimento a qualquer momento. Não há forças misteriosas incalculáveis; podemos dominar todas as coisas pelo cálculo. WEBER, M. A ciência como vocação. In: GERTH, H.; MILLS, W. (org). Max Weber: ensaios da sociologia. Rio de Janeiro, Zahar, 1979 (adaptado).
 
Questão 42. Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino. BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
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sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Educação em charge


A justiça é branca e rica

 
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No dia 15 de outubro Juliana Cristina da Silva, de 28 anos, responsável pelo atropelamento de dois operários que pintavam uma ciclo-faixa, foi libertada da prisão onde estava desde o dia do acidente, 18 último, para responder ao processo em liberdade.
 
Juliana terá de pagar um fiança de 20 salários mínimos, o equivalente a 15 mil reais, e comparecer ao fórum a cada dois meses. Foi comprovado que Juliana estava embriagada no momento do acidente.
 
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José Airton de Andrade e Raimundo Barbosa dos Santos morreram vítimas do atropelamento. O primeiro deixa dois filhos e o segundo, quatro. Além de atropelar e matar os dois homens, Juliana fugiu do local do acidente e chegou a percorrer cerca de 3 quilômetros antes de ser parada pela polícia. E Juliana responderá em liberdade.
 
Dina Alves, advogada e ativista, concluiu uma pesquisa de mestrado nesse ano na PUC São Paulo, na qual analisou o modo pelo qual rés negras são tratadas pelo judiciário. A pesquisa Rés negras, Judiciário branco: uma análise da interseccionalidade de gênero, raça e classe na produção da punição em uma prisão paulistana, tinha o objetivo de oferecer uma análise interseccional de gênero, raça e classe sobre a distribuição desigual da punição no sistema de justiça criminal paulista e aprofundar a relação entre a feminização da pobreza e feminização da punição.
 
“A análise interseccional oferece possibilidades de descentralizar (ou complexar) os estudos sobre as prisões que têm privilegiado a perspectiva de classe social em detrimento de uma abordagem mais ampla e condizente com a realidade racial brasileira”, diz Dina.
 
“Embora as mulheres presas tenham sido objeto de crescente interesse entre pesquisadores do sistema penitenciário nacional, as mulheres negras não aparecem em suas discussões, ainda que constituam o principal grupo de presas no país. Alguns trabalhos têm mostrado que as mulheres, de modo geral, possuem uma vulnerabilidade específica, marcada por sua condição de gênero em uma sociedade estruturada a partir de desigualdades entre homens e mulheres", prossegue.
 
"Apesar de tais estudos ajudarem a entender a dimensão de gênero nas prisões – uma vez que elas têm o mérito de des-masculinizar as narrativas sobre o universo prisional - eles têm se revelado insuficientes no que diz respeito à especificidade da mulher negra”, conclui.
 
Para tal, Dina entrevistou algumas rés negras para que falassem de suas situações e eventuais violências sofridas e as histórias demonstram a parcialidade da justiça brasileira. Dina não colocou os nomes verdadeiros das mulheres, segundo ela o uso do nome fictício foi político “para preservar a imagem da entrevistada e para romper com a lógica burocrática que a reduziu a números, tanto nos seus prontuários que tive acesso, quantos nos processos criminais”. Dessas, se destaca a história de Joana.
 
“Eu peguei sete anos de novo e tou aqui com minha filha, e agora ela teve um bebê, meu neto. Quando fui presa, trabalhava como carroceira e morava nas ruas, embaixo do viaduto do Glicério. Eu tava na cracolândia e o policial me levou. Eu engoli três pedras de crack pra não ser presa. Já perdi as contas de quantas vezes vim pra cá. A primeira vez foi com 17 anos quando fui para a Febem, e hoje tenho 49 anos. Já vivi mais aqui do que lá fora. O que eu quero hoje é poder ficar com minha filha mais perto e meu neto. O pai do menino a polícia matou e eles querem levar meu neto para a adoção, mas eu não vou deixar. Já falei com a Pastoral”, relata uma entrevista realizada em 5 de outubro de 2014.
 
Sobre Joana, Dina diz: “Nos meus encontros com Joana percebi a figura de uma mulher negra, carroceira, sem dentes, obesa e dependente de drogas. A experiência de Joana como usuária e vendedora de drogas na Cracolândia ajuda a entender o que a socióloga norte-americana Julia Sudbury chama de “feminização da pobreza”.
 
Cada vez mais marginalizadas do acesso às esferas de produção de consumo e direitos de cidadania, mulheres negras, como Joana, figuram na economia ilegal do tráfico de drogas como vendedoras, mulas ou simplesmente consumidoras. Joana tem uma história de uso de drogas que tem tudo a ver com o processo de racismo e feminização da pobreza no Brasil.
 
Sua história de aprisionamento começou aos 11 anos de idade quando viveu entre as ruas e abrigos do Estado. Foi apreendida aos 17 anos de idade na atual Fundação Casa (FEBEM) e hoje cumpre pena na penitenciaria Feminina de Santana com sua filha e seu neto recém-nascido. Entre a prisão e as ruas, Joana tem a vida marcada por um assalto patriarcal ao seu corpo que pode ser visto em sua aparência doentia e envelhecida, embora possua apenas 49 anos de idade”.
 
Joana não teve a mesma sorte de Juliana. Joana é negra, pobre e desde muito cedo sofre com a omissão do Estado. Juliana é branca e rica e, mesmo tendo matado duas pessoas, é beneficiada pela ação do Estado que concede privilégios ao grupo branco por conta do racismo estrutural. Joana, aos 49 anos seguirá encarcerada e sem oportunidades.
 
Juliana, após tirar a vida de dois trabalhadores por dirigir alcoolizada, o que também configura crime, vai passar o natal com a família porque na lógica desigual racista, foi só uma moça de bem que cometeu um erro.
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O MasterChef Júnior e a sexualização infantil

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A versão infantil do reality show foi ao ar na noite de terça-feira 20/10/2015
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Valentina foi escolhida para participar do MasterChef Júnior junto com diversas outras crianças, meninos e meninas. O que separa Valentina de todas as outras crianças, por enquanto, não é seu talento na cozinha, mas a cultura do estupro que permite que homens adultos falem por aí como poderiam estuprar a garota.
 
(É bom avisar que mesmo que a descrição de Valentina fosse outra, tudo que vamos ver abaixo continuaria sendo errado e horrível)
 
Vamos deixar algo claro desde o começo: qualquer tipo de relação de natureza sexual com uma criança é estupro. Uma criança nunca pode ter uma relação sexual consensual porque ela é criança e não pode tomar esse tipo de decisão. Por lei.
 
Vamos dar o nome certo às coisas. Aqui não estamos falando de pedofilia, que é uma doença que pode ser tratada antes que a pessoa cometa qualquer crime –  seja ele consumir pornografia infantil ou o estupro. Nenhum desses homens que comentou sobre a MasterChef é doente, eles apenas acham que têm o direito de falar absurdos como esse porque olham para ela e não enxergam uma criança, mas uma mulher.
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Antes que seja tarde...

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Organizações internacionais se manifestam contrárias à redução da maioridade penal no Brasil.
Após incidência política da Anced/Seção DCI e Renade, organizações internacionais se manifestam contrárias à redução da maioridade penal no Brasil.
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Leia mais: www.carinhodeverdade.org.br/releases/ler/690
Foto: Centro de Defesa da Criança e do Adolescente

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Relações com Anísio Teixeira e Leonel Brizola fizeram de Darcy Ribeiro um dos expoentes das reformas educacionais no país


ILUSTRAÇÃO MATHEUS VIGLIAR

Helena Bomeny*
 
O encontro de Darcy Ribeiro com o educador Anísio Teixeira, na década de 1950, foi mais do que a ventura da aproximação entre dois amigos: produziu no antropólogo um verdadeiro roteiro de atuação pública e deu a ele o desenho de uma agenda na qual o tema da educação ocupou lugar primordial. “Anísio me ensinou a duvidar e a pensar”, lembraria Darcy.
 
No primeiro momento houve uma espécie de desconfiança mútua. Anísio, americanista, urbano, envolvido com os problemas da educação e com a universalização desse direito, era uma das lideranças mais notáveis do Movimento dos Pioneiros da Educação Nova – que arregimentou intelectuais na década de 1920 em caravanas por reformas educacionais em praticamente todos os estados brasileiros. Darcy, com as lentes voltadas para a questão indígena (herança de sua aproximação com o marechal Cândido Rondon), adentrava o interior brasileiro em busca do que supunha traduzir a alma nacional. Duvidava do que considerava uma educação comunitária, aquela preconizada na América do Norte, fruto da cultura protestante, que obrigava os fiéis à leitura da Bíblia, situação em nada comparável com o Brasil. 
 
Quando seus percursos se cruzaram, iniciou-se um intenso caminho em comum. O encontro aconteceu no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), criado por Anísio, de onde nasceria o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), que contou com participação ativa de Darcy. A parceria se afinou na criação da Universidade de Brasília (UnB) e foi consolidada quando Darcy Ribeiro assumiu o Ministério da Educação e Cultura (MEC), sendo substituído por Teixeira na reitoria da UnB. O golpe de 1964 retirou o antropólogo não só do governo João Goulart (de quem era chefe da Casa Civil) como da Universidade do Brasil, onde lecionava desde 1956. 
 
A notícia da morte abrupta de Anísio Teixeira, em 1970, alcançou Darcy no exílio. Ao retornar ao Brasil definitivamente em 1978, ele reiniciou a cruzada pelo ensino básico, e cultivaria ao longo de sua vida o patrimônio herdado da união com o renovador da educação no Brasil. Pode-se dizer que Darcy Ribeiro foi o último expoente da Escola Nova – não fez parte do movimento, mas manteve-se fiel à causa que mobilizou uma de suas lideranças mais notáveis.
 
Os últimos 15 anos de sua vida foram marcados por outra parceria igualmente impactante: com Leonel Brizola, Darcy obteve carta branca para prosseguir em sua utopia escolanovista, escrevendo um dos capítulos da reforma educacional mais conhecidos do país. Em 1982, Darcy elegeu-se vice-governador do Rio de Janeiro pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), na chapa encabeçada por Brizola. A convivência o fez consolidar seu discurso popular, embasado não mais nas Minas Gerais, sua terra de origem, mas na tradição rio-grandense e no que chamou de “apreço pela classe de baixo” daquela elite política, traço visível em Vargas, João Goulart e Brizola. 
 
Tornou-se lugar comum na memória carioca e fluminense confundir o programa de educação dos governos Leonel Brizola com os CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública). Mas o Programa Especial de Educação (PEE) era mais ambicioso do que isso. O objetivo era garantir à população o direito a um ensino gratuito moderno, reestruturado do ponto de vista pedagógico e tecnologicamente aparelhado. Previam-se metas assistenciais (como uniformes, calçados e melhoria da qualidade da merenda) e pedagógicas (como aumento da carga horária diária para cinco horas e revisão de todo o material didático), treinamento dos professores e melhoria de suas condições de trabalho, reforma e conservação das escolas e do mobiliário e novos projetos educacionais – voltados à pré-escola, à criação de Centros Culturais Comunitários e à educação juvenil noturna. Havia entre os idealizadores a convicção de que a democratização da educação teria que minimizar as carências essenciais daqueles estudantes que provinham de situações sociais desprotegidas. 
 
Os CIEPs foram concebidos como estabelecimentos que desenvolveriam uma extensa programação de atividades escolares e assistenciais para crianças e jovens, das 7h30 às 17h. Havia a figura do animador cultural – pessoa da comunidade capaz de trabalhar a cultura local junto com os alunos. Personagens mais próximos dos estudantes, despidos da “face professoral”, estimulariam padrões de interação entre crianças e educadores, recriando possibilidades de aprendizagem. Tudo começava com a cultura comunitária, suas manifestações, seus artistas sendo mobilizados para a rotina escolar. Os cuidados se estendiam à montagem de bibliotecas, salas de estudo e espaços de lazer com profissionais treinados para a jornada de tempo integral. Como parte da estrutura física do prédio, previam-se dormitórios para abrigar “pais sociais”, que se responsabilizariam, em troca da moradia, pelo acompanhamento escolar de crianças que também morassem na escola.
 
“Ao invés de escamotear a dura realidade em que vive a maioria de seus alunos, proveniente dos segmentos sociais mais pobres, o CIEP compromete-se com ela para poder transformá-la. É inviável educar crianças desnutridas? Então o CIEP supre as necessidades alimentares dos seus alunos. A maioria dos alunos não tem recursos financeiros? Então o CIEP fornece gratuitamente os uniformes e o material escolar necessário. Os alunos estão expostos a doenças infecciosas, estão com problemas dentários ou apresentam deficiência visual ou auditiva? Então o CIEP proporciona a todos eles assistência médica e odontológica”, proclamava Darcy Ribeiro.
 
Durante oito anos o programa de Brizola e Darcy ergueu 507 CIEPs e alcançou uma repercussão pública pouco comum em assuntos educacionais. A figura política do governador e a personalidade apaixonada e nem sempre ponderada do vice, a marcha frenética com que os CIEPs eram construídos e a confecção de um programa complexo implantado por meio de uma secretaria extraordinária de Educação despertaram reações positivas e críticas, vindas de diferentes extrações da comunidade intelectual e das hostes políticas adversárias. Uma intervenção pedagógica completamente ungida na esfera política criou mal-estar na comunidade dos educadores. O argumento era que o PEE havia se transformado em programa político, em detrimento da melhoria do sistema educacional. A cada matéria crítica contrapunha-se a voz de Darcy Ribeiro, sustentando a continuidade no tratamento de uma escola pública que até aquele momento, no Brasil, estava longe de cumprir o papel que a ela deve ser atribuído em uma sociedade democrática. 
 
Entre os educadores a reação foi igualmente virulenta. Ficaram expostos os pontos de fragilidade do PEE, que já nascia como programa de massa, extenso, volumoso, caro e sem condições de funcionamento na medida e na velocidade com que se implantava. Entre os cientistas sociais, a nota crítica foi para o populismo implicado na política pública assistencialista do governo Brizola. Pesava o estilo de liderança de ambos os condutores: personalista, voluntarista, demagógico, inconsequente. 
 
Talvez por ter acumulado um conjunto tão expressivo e abalizado de críticas, o brusco desmonte do programa pelo governo seguinte, de Moreira Franco, não produziu qualquer reação capaz de impedir a descontinuidade do esforço e do investimento até então dispensados. Os CIEPs foram desmontados como estruturas de ensino em horário integral, e as construções foram interrompidas. A rede pública de ensino voltaria ao sistema convencional, agora com o ensino fundamental municipalizado.
 
Ainda hoje os CIEPs permanecem como referência nas discussões mais importantes que embasam a tomada de decisões de políticas educacionais no Rio de Janeiro e no Brasil. O tempo de permanência das crianças nas escolas continua sendo um tema estratégico. Sempre que se renovam propostas de ensino em tempo integral e integração entre escola e comunidade, presta-se uma homenagem, mesmo que implícita, à obra de grandes personagens da história da educação no Brasil. Darcy Ribeiro está entre eles, ao lado de seus parceiros Anísio Teixeira e Leonel Brizola. 
 
*Helena Bomeny é professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, autora de Intelectuais da Educação (Zahar, 2001); Darcy Ribeiro. Sociologia de um indisciplinado (Editora da UFMG, 2001), e organizadora de A Escola que faz Escola (FGV, 2002).
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Fonte: Revista História. com.br http://rhbn.com.br/secao/retrato/em-boa-companhia

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Educação sem humor


Alta rotatividade no MEC afeta políticas públicas de ensino

 
RIO— É máxima entre educadores que para colher frutos no ensino de um país é preciso implementar políticas de longo prazo. No entanto, a troca constante de ministros na área indica que a realidade brasileira vai na contramão, criticam especialistas. Desde a redemocratização do país, há 30 anos, o Brasil teve 16 pessoas conduzindo o Ministério da Educação (MEC). Média de menos de dois anos para cada. Só no governo Dilma Rousseff, cujo slogan é “Pátria Educadora”, com a demissão de Renato Janine Ribeiro, ontem, houve cinco trocas em menos de cinco anos. Aloizio Mercadante, que ocupou o cargo de 2012 a 2014, está de volta à pasta. Ele será o quarto ministro da Educação em menos de um ano.
 
Desde 1985, quando José Sarney assumiu a Presidência, entre os cinco ministros que permaneceram menos tempo no MEC, três foram do governo Dilma: Cid Gomes, que ficou dois meses e meio, Janine com menos de seis meses, e Henrique Paim, que durou cerca de um ano. Da galeria de ministros, o único que conseguiu ter uma passagem ainda mais breve foi Eraldo Tinoco Melo, que comandou o MEC por menos de dois meses antes do impeachment de Fernando Collor.

A preocupação é com políticas públicas que podem ser afetadas devido ao troca-troca. Atualmente, especialistas se mostram temerosos em relação a medidas em elaboração, como a Base Nacional Comum — que unifica o conteúdo a ser ensinado nas escolas brasileiras —, o Plano Nacional de Educação (PNE) e investimentos em pós-graduação.
 
À frente da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Maria Margarida Machado criticou a constante mudança de ministros. Ela teme que a substituição de Janine interrompa a rodada de negociações para a liberação de recursos. A área foi uma das mais afetadas pelos cortes de gastos feitos pelo governo desde o início do ano.
 
— Perdemos mais uma vez com essa descontinuidade. Vamos ter que aguardar o posicionamento da nova equipe. O que preocupa quando há uma troca é a demora para que aquilo que estava em andamento seja retomado. No caso da pós, de julho para cá conseguimos a liberação de 25% do recurso de custeio e de verbas referentes a programas. Essa negociação não pode ser interrompida — comenta Maria Margarida.
 
Os quase seis meses de Janine à frente do ministério foram marcados por problemas em programas que são vitrine da presidente Dilma. O ministro anunciou medidas impopulares, como o aumento da taxa de juros do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e a diminuição do prazo para pagamento do crédito estudantil. Houve atrasos sistemáticos nos repasses do Pronatec às instituições que dão cursos do programa e o anúncio de apenas 1,3 milhão de vagas para este ano, o equivalente a 43% do que foi ofertado em 2014. O programa Ciência sem Fronteiras também foi esvaziado, e ainda não há previsão de vagas para 2016. As greves em boa parte das 63 universidades federais têm sido outro problema para o MEC. Na Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara destacou a importância de se colocar o Plano Nacional da Educação (PNE), que estabelece 20 metas a serem alcançadas até 2024, no centro da política do governo, o que, segundo ele, até agora não aconteceu.
 
— Para que as políticas tenham continuidade, a estabilidade do ministério é da maior importância. Precisamos ter clareza sobre quem são os atores da área — afirma o educador, que dá conselhos ao novo titular da pasta: — Janine não teve força para enfrentar os ajustes. O importante é que o próximo ministro tenha poder de frear os cortes. Mercadante tem mais força que Janine. Ele é um político com algum trânsito dentro do governo, Janine não tinha. O que preocupa é que ele ainda não transmitiu que tem o PNE como referência, como política educacional a ser seguida.
 
Segundo Cara, que atuou pela aprovação do PNE no Congresso, ano passado, o plano não sobrevive nessa realidade de ajuste fiscal:
 
— Não vejo disposição e instrumento orçamentário capazes de fazer essa confrontação hoje, o que está posto é a inviabilização do PNE.
 
Segundo o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Eduardo Deschamps, as mudanças no MEC podem ter impacto sobre eixos centrais da educação básica. Ele demonstra especial preocupação com a Base Curricular Comum, cuja proposta inicial foi divulgada pelo MEC em meados de setembro.
 
— Nunca é bom que haja tantas mudanças. Nossa maior preocupação é que projetos como Base Nacional Comum sejam descontinuados — ressalta Deschamps, antes de ponderar: — Mas também temos que entender que essas medidas, às vezes, são necessárias.
 
Coordenadora do movimento Todos Pela Educação, Alejandra Meraz Velasco faz coro com a questão da Base Comum. Segundo ela, as trocas também podem refletir sobre articulações que vinham sendo construídas em função de programas e projetos importantes.
 
— Irmos para o terceiro ministro em um ano traz um enorme prejuízo à educação. A estabilidade é fundamental para o sucesso das políticas públicas — pontua. — Não digo que a articulação da Base Nacional Comum terá recomeçar do zero, mas quando há uma troca de ministro, algo que já havia sido iniciado precisa ser revisitado.
 
O pró-reitor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro da Academia Brasileira de Educação Antônio Freitas é taxativo:
 
— Isso causa incerteza nos escalões inferiores, sobre a permanência ou não de diretores, coordenadores e executivos que estão ocupando postos importantes, o que faz com que projetos fiquem parados durante as transições — diz.— Essa mudança contínua é, de fato, uma negociação para preencher cargos e agradar partidos, o que obviamente prejudica muito a educação

Fonte: O Globo

Janine é demitido e, em dez meses, pasta da Educação terá 3º ministro

"A presidenta da República, Dilma Rousseff, esteve com o ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, nesta quarta-feira, 30, às 15h, no Palácio do Planalto. Ficou confirmada a saída de Janine Ribeiro do cargo. A presidenta reconheceu e agradeceu o trabalho do ministro no MEC", afirma a nota divulgada pelo ministério.
 
Em seu perfil no Facebook, o ministro informou: "Mandei publicar esta nota no Portal do MEC. O encontro foi absolutamente cordial".
 
Troca de cadeiras
Mercadante será o terceiro ministro da Educação desde janeiro deste ano – o primeiro nome escolhido para a pasta foi o do ex-governador do Ceará Cid Gomes, que deixou o posto após sessão conturbada no Congresso Nacional. O petista deixou o MEC no início de 2014 para assumir a Casa Civil e seu retorno deve motivar novas alterações no ministério.
 
Seu atual secretário-executivo, Marco Antonio de Oliveira, por exemplo, foi secretário de ciência e tecnologia para inclusão social quando Mercadante era o titular de Ciência e Tecnologia e, em seguida, foi nomeado para a secretaria de educação profissional do Ministério da Educação. Mercadante vai deixar a Casa Civil, que ficará com o atual ministro da Defesa, Jaques Wagner.
 
Nesta quarta-feira (30), Wagner informou que, se fosse convidado para assumir o cargo, estaria à disposição para ajudar. Ele também afirmou que o trabalho de articulação política do governo deve continuar nas mãos do ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini.
Berzoini também deve trocar de posto e atuar no Palácio do Planalto, à frente de uma nova pasta englobando a Secretaria de Relações Institucionais, o Gabinete de Segurança Institucional e a Secretaria Geral da Presidência.
 
Gestão de Janine
A gestão de Renato Janine no Ministério da Educação foi marcada por um orçamento limitado e certo incômodo com interferências externas na pasta – mais precisamente, do novo titular da Educação, que carrega o lema do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, Pátria Educadora.
 
Professor de Ética e Filosofia Política na USP, Janine teve seu nome anunciado em meio a investigações do maior escândalo de corrupção no país, e num momento de fragilidade política da gestão petista. A necessidade de melhorar o relacionamento com a base aliada foi justamente o que motivou uma nova troca na Educação, quase seis meses após a posse de Janine.
 
"Uma semana intensa de trabalho no MEC me familiarizando com seus mil programas e sua equipe", escreveu o ministro em rede social, no início de abril, dias antes de assumir o ministério. Desde então, Janine anunciou uma forte redução no número de contratos do Fies (cerca de 57% a menos em relação a 2014), se viu diante da mais longa greve das universidades federais e divulgou dados "preocupantes" sobre a alfabetização de crianças matriculadas no 3º ano do fundamental público. "Este ano vai exigir muita paciência", afirmou ele em entrevista publicada no dia em que tomou posse na nova função.
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Fonte: O Tempo (MG)