segunda-feira, 13 de abril de 2015

Entre professores e pesquisadores

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Lúcio Alves de Barros*
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Uma professora foi chamada atenção por ter publicado em uma revista de Qualis C da CAPES. Transtornada, achou que “o mundo caiu”. Lágrimas foram soltas, buscas no inconsciente de algo que teria feito duraram dias e a leitura dos clássicos foi necessária para perceber ou legitimar o que ainda anda fazendo. A professora em crise leciona há 20 anos e não me parece prudente sua preocupação, a não ser o de dar maior relevância para aquilo que não tem. Acredito que professores e também pesquisadores fazem mais.
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É óbvio que nem todo professor é necessariamente um pesquisador. Pode até ser que pensemos que o ato de lecionar é uma pesquisa em potencial, mas isso não conta para as contas do governo e dos programas de pós-graduação. O que vale é o nível “A”, talvez um “B1”, índices de revistas (http://qualis.capes.gov.br/webqualis/principal.seam) que somente os pares vão ler. O professor, lotado de aulas e que segura as pontas em sala é somente uma pequena peça nas universidades e nas faculdades, especialmente as particulares que vivem do dinheiro público e das mensalidades. Apesar de garantir o pão nosso de cada dia no ensino superior esses professores carregam o desconhecimento dos pares, possuem dificuldades em entrar nos grupos já formados “de pesquisa” e ainda são obrigados a ouvir asneiras em salas de reunião.
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Problemático tudo isso, haja vista que o docente em sala de aula me parece crucial em tempos líquidos onde a juventude é hedonista, a velhice esquecida e a criança rejeitada. Mais que isso, em tempos que valores em torno da vida e dos mais fracos se fazem importantes, as universidades e faculdades estão preocupadas em atender a CAPES e ver professores se transformarem em “celebridades de minutos”. É uma piada, pois essa representação de um mundo que funciona somente na cabeça dos que estão no curso superior pouco tem de serventia para a maioria das pessoas que pegam ônibus, ganham salário, limpam suas casas e ficam mais de 16 horas fora do domicílio.
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Nada contra a pesquisa, mas antes de tudo é preciso perguntar qual é a sua serventia. Há anos vejo dissertações, teses e mais teses sendo defendidas. Todas tem o mesmo caminho: a biblioteca e citações em um “currículo lattes” (http://lattes.cnpq.br/). Dali, o antes aluno, publica a tese em artigos e depois se esquece de todos os achados que fez. O mesmo faz os órgãos governamentais da educação que, como tudo indica, preferem as experiências estrangeiras. Na realidade, a maioria do que se faz nas universidades não chega ao público. Mantemos uma universidade para a elite, as faculdades, notadamente as particulares, para a ralé e no meio é possível encontrar alguns professores e pesquisadores que conseguem algumas bolsas, uma razoável condição de trabalho e artigos publicados, mas nada que se transforme em política pública ou que modifique tanto as instituições como as pessoas.
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É o cúmulo do absurdo e falando ninguém acredita, porque tanto professores como pesquisadores são frágeis e suas ideias efêmeras. Em uma tacada só, órgãos governamentais arrancam bolsas, acabam com trajetórias, inviabilizam carreiras e esquecem as pessoas. O mundo acadêmico é um teatro onde se encontram um monte de gente que cita outro monte de gente, e é melhor citar os conhecidos, pois ai do professor/pesquisador que não leu o “fulano de tal”. A chamada é, “Oh! Você não leu?”. Daí vem um silêncio, um acordo tácito de “incompetência”, a sensação de que algo está faltando e de um desconhecimento do que realmente é importante para a vida. Quem leu o famigerado autor sai como pavão, pois conhece os poleiros e abre bem sua calda quando se faz necessário.
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Finalizo homenageando a professora que leciona e que também pesquisa. Admiro sua franqueza e capacidade de lecionar. Admiro sua fortaleza e garra para segurar e arrancar de alunos a atenção que hoje é dada ao celular. Na realidade é desta professora que precisamos, pois é ela que atinge um mundo incrível de desconhecimento e de pessoas que não sabem nem ler o que o colega pesquisador escreveu. O professor é muito mais reconhecido pelos alunos em sala do que pelas letras que escreve em artigos científicos, teses e dissertações que ficam a acumular poeiras em estantes de bibliotecas. A verdade é essa, salvemos os professores, vamos garantir melhores condições de trabalho para que todos virem bons pesquisadores, mas não tenhamos dúvida, que ambos virem escritores e poetas, talvez amantes da literatura e da vida, tudo para garantir dias melhores para as universidades que andam penando diante de todo descaso com aqueles que vivem labutando nas salas de aula ou escrevendo para um público que ainda anda cego e surdo.
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* Professor da FAE/UEMG/BH, Doutor em Ciências Humanas pela UFMG.

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