terça-feira, 2 de setembro de 2014

Indicação de leitura - A herança escravista no trabalho doméstico

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Por José Tadeu Arantes
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Agência FAPESP – A despeito de vários estudos realizados nas últimas décadas, a transição da escravidão para o trabalho assalariado no Brasil é um tema que ainda precisa ser esmiuçado. Que destinos tiveram os ex-escravos? Que novas relações de trabalho lhes foi possível estabelecer? Que profissões exerceram? Como conviveram com a chegada maciça de imigrantes europeus? Onde habitavam e em que condições?
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Um novo livro, recém-publicado com apoio da FAPESP, ajuda a responder a perguntas como essas. Trata-se de Libertas entre sobrados: mulheres negras e trabalho doméstico em São Paulo (1880-1920), de Lorena Féres da Silva Telles.
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Graduada em História pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Université Paris IV-Sorbonne, Lorena é atualmente doutoranda, com bolsa da FAPESP. Seu livro resultou de dissertação de mestrado orientada pela historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias, professora titular aposentada da USP.
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“O sujeito desse estudo foi constituído por mulheres, trabalhadoras domésticas na cidade de São Paulo, algumas escravas, outras libertas, outras já nascidas livres”, disse Lorena à Agência FAPESP.
“Fiz o trabalho com base em documentos policiais: um livro de inscrições e um livro de contratos de trabalho. Esses livros foram produzidos em função de uma lei, posta em prática em 1886 em São Paulo, que obrigava os trabalhadores domésticos a se inscreverem na polícia”, disse.
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Nessa época, dois anos antes do fim da escravidão, quase não havia mais escravos na cidade de São Paulo. A maioria deles estava nas fazendas de café do Sudeste do país. Essa lei, obrigando os registros, tinha o propósito de controlar os trabalhadores livres. “As inscrições eram fichas de polícia, com nome, filiação, sinais característicos, profissão, nome do patrão, estado civil etc. Enfim, uma documentação de controle, estritamente policialesca”, explicou a historiadora.
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Com base em dados tão ralos, Lorena procurou entender quem eram essas trabalhadoras domésticas. “Eu dispunha de uma amostragem com cerca de mil inscritos e 1,3 mil contratos. Dos inscritos, pouco mais de 600 eram mulheres e 490 eram mulheres negras”, contou. O estudo exigiu uma boa dose de imaginação. Foi preciso ler nas entrelinhas e fazer várias suposições a partir das poucas informações disponíveis. “Por exemplo, quando a filiação era desconhecida, eu podia supor que provavelmente se tratava de uma escrava. Se o pai tinha um nome como ‘José Congo’, eu podia supor que ela era filha de um africano. Dessa forma, fui juntando os fios para tecer histórias de vidas. E, com base nesse levantamento, busquei as origens escravistas do trabalho doméstico”, disse.
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Um dos recursos utilizados foi cruzar dados do livro de inscrições com dados do livro de contratos. “Desse modo, pude rastrear, a partir de contratos sucessivos, as trajetórias de algumas daquelas mulheres”, disse. Ao preencher os contratos, muitos patrões simplesmente seguiam a fórmula estabelecida pela Câmara Municipal. Outros, porém, acrescentavam informações, o que ajudou muito o trabalho da pesquisadora.
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“Encontrei, por exemplo, o caso de uma cozinheira denominada pelo patrão de ‘Preta Felicidade’. O simples fato de ele chamá-la de ‘Preta’ já indicava que, provavelmente, se tratava de uma ex-escrava. Outro caso foi de uma africana, de 60 anos, que escandalizou sua patroa ao dizer: ‘Não sou sua escrava’. Isso foi anotado no livro. E me trouxe a imagem de uma altiva africana, destemida e zelosa por sua liberdade”, disse.
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Em 1872, por ocasião do primeiro censo realizado no Brasil, havia no país pouco mais de 10,1 milhões de habitantes. Destes, cerca de 1,5 milhão eram escravos. O recenseamento de 1890 revelou que a população havia crescido para aproximadamente 14,3 milhões. Três anos antes, em 1887, a apenas alguns meses do dia 13 de maio de 1888, quando a princesa Isabel sancionou a Lei Áurea, extinguindo a escravidão no Brasil, o contingente escravo somava 723.419 pessoas, menos da metade daquele do início da década anterior. Essa curva descendente da população escrava, que não mudou de inflexão desde o fechamento dos portos africanos, em 1850, estimulou o tráfico interno, direcionando a mão de obra cativa para as regiões de maior dinamismo econômico, como o oeste paulista, fronteira da expansão da cafeicultura. Como consequência, na última década do período escravista, a cidade de São Paulo tornou-se notavelmente desprovida de escravos.
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“O censo de 1886 computou na cidade aproximadamente 48 mil habitantes, dos quais pouco mais de 10 mil foram classificados como negros ou mulatos. Desse segmento de ascendência africana, mais de 95% eram constituídos por homens e mulheres livres. O recenseamento apontou 268 escravas e 225 escravos”, disse Lorena.
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A forma predominante de moradia desses “negros” e “mulatos” livres eram as habitações coletivas de aluguel. Com cômodos subdivididos, de forma a abrigar um número cada vez maior de pessoas, essas habitações se multiplicavam nos bairros do Bixiga e do Brás, bem como naquele bairro que, à época, constituía ainda uma área periférica, com características rurais: a Penha.
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“Havia escravas que negociavam com suas donas e donos moradia em pequenos cômodos, fora da casa senhorial. Por outro lado, no caso de muitas mulheres livres ou libertas, empregadas domésticas, a moradia, a roupa e a alimentação eram a única forma de pagamento. Ou, então, seus salários eram tão baixos que frequentemente inviabilizavam o pagamento de um cômodo de aluguel, razão pela qual os cômodos e seus custos eram compartilhados”, disse a historiadora. O salário de uma trabalhadora doméstica responsável por todo o serviço da casa variava de 12 mil réis a 20 mil réis. E o aluguel de um cômodo custava, às vezes, 15 mil réis. Assim, era praticamente impossível, para essas empregadas, morarem sozinhas. “Se não moravam com os patrões, era muito provável que morassem com parentes, companheiros, filhas e filhos”, conjecturou Lorena.
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Um capítulo especialmente interessante do livro é aquele que a autora dedicou às trabalhadoras que já possuíam uma certa especialização: cozinheiras, quitandeiras, lavadeiras, engomadeiras, amas de leite. Sua atividade profissional e sua vida cotidiana são descritas de forma muito vívida, como neste parágrafo dedicado às lavadeiras:
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“Enfrentando a lida diária de longas caminhadas, expostas ao frio, à chuva e ao sol a pino, equilibristas de trouxas pesadas e prazos de entrega, as lavadeiras foram fundamentais à sociedade da higiene, com seus lençóis e roupas brancas. Circulando nas imediações urbanas, em direção às beiras de rios e chafarizes, à procura de emprego, eram impelidas às ruas pela necessidade do ofício, dependentes de si mesmas e dos parcos ganhos auferidos do exercício desse trabalho desqualificado”, disse Lorena. Para compor sua narrativa, uma das fontes documentais utilizadas pela pesquisadora foram processos criminais de mulheres presas por vadiagem. “Muitas dessas mulheres eram lavadeiras, que tinham uma mobilidade maior pela cidade, pois iam às casas para buscar ou entregar roupas. E foram presas por estarem desempregadas ou bêbadas. Percebemos, assim, como havia um forte controle social e policial sobre os negros, pobres e mendigos nas ruas”, comentou.
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A introdução das redes de abastecimento de água e dos tanques domésticos, iniciada na década de 1880, enclausurou esse trabalho, antes exercido extramuros. Posteriormente, os próprios rios seriam enclausurados, em dutos subterrâneos, invisíveis aos olhos dos habitantes, cada vez mais ignorantes acerca da topografia e dos recursos naturais de sua cidade.
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Amas de leite
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Outra mudança fundamental, constituída pela entrada maciça de imigrantes europeus, foi destacada pela historiadora no subcapítulo dedicado às amas de leite, agora tema central de seu doutorado. Desde 1870, com a Lei do Ventre Livre e a perspectiva de que não nasceriam mais escravos no Brasil, a solução da imigração começou a ser levada a sério pelas elites econômicas e políticas. E as consequências práticas logo se fizeram notar.
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“As brasileiras negras continuaram a ser maioria entre as amas de leite, mas surgiu uma competição entre elas e as imigrantes – portuguesas, italianas e alemãs. Isso aparece de forma bem clara no livro de inscrições”, afirmou. Como uma das conclusões de sua pesquisa, a historiadora enfatizou o quanto o trabalho doméstico ficou marcado, no país, pela herança escravista. “A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada em 1943, ignorou a categoria, sob a alegação de que as trabalhadoras domésticas desempenhavam atividades de caráter não econômico. E a Constituição Federal de 1988 limitou o acesso delas a somente 9 dos 34 direitos garantidos aos demais trabalhadores”, afirmou.
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“Apenas em 26 de março de 2013, quase 125 anos depois do fim da escravidão, a aprovação do projeto de emenda constitucional conhecido como ‘PEC das Domésticas’ estendeu à categoria direitos básicos, como jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais, pagamento de horas extras e adicional noturno, fundo de garantia por tempo de serviço e seguro-desemprego. Benefícios como auxílio-creche, seguro para acidentes de trabalho e salário-família carecem ainda de regulamentação”, disse.
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Libertas entre Sobrados: mulheres negras e trabalho doméstico em São Paulo (1880-1920)
Autora: Lorena Féres da Silva Telles
Lançamento: 11 de setembro de 2014
Preço: R$ 45,00
Páginas: 342
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Aluno barrado por usar guias de candomblé muda de escola

Por Athos Moura e Vania Cunha
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Rio - Um aluno da Rede Municipal de Ensino teve que trocar de escola depois de ter sido, segundo sua família, impedido de frequentar as aulas por usar guias de candomblé sob o uniforme. X., de 12 anos, adotou a religião há cerca de dois meses. Como parte de sua iniciação, tinha que usar as guias durante três meses. Mas, segundo sua família, a diretora teria proibido o menino de entrar na unidade.
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X. já não ia à Escola Municipal Francisco Campos, no Grajaú, há mais de um mês. Isto ocorria, segundo afirma a mãe dele, Rita de Cássia, porque a diretora havia avisado que não permitiria a presença dele usando guias ou quaisquer outros trajes característicos do candomblé.
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No dia 25 de agosto, o menino tentou voltar a frequentar as aulas, mas teria sido impedido, segundo a família. Com as guias por baixo da camisa do uniforme, além de bermuda e boné brancos, ele teria sido proibido de entrar na escola pela diretora. A alegação dela, segundo a família, foi de que X. estava usando roupas fora do padrão adequado.
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O estudante, de 12 anos, tem que usar a guia de candomblé como parte de sua iniciação religiosa. Ele teve que deixar de ir às aulas durante um mês, segundo contou sua mãe.
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Foto: José Pedro Monteiro / Agência O Dia
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A mãe do estudante disse que tinha conhecimento apenas de que o uso da camisa com o logotipo da prefeitura seria obrigatório. Segundo Rita de Cássia, outros alunos usavam boné, bermudas e calças de outras cores, além de tênis coloridos no dia em que o filho foi barrado: “A diretora colocou a mão no peito do meu filho e disse que ele não entraria com as guias, que estavam por baixo da camisa”. A diretora foi procurada pela reportagem, mas na escola informaram que o contato teria que ser feito com a Secretaria Municipal de Educação. A pasta limitou-se a explicar que a diretora, cujo nome não foi informado, alegou que houve um “mal entendido”.
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Para o cientista social Paulo Jorge Ribeiro, da Uerj, a atitude seria válida se símbolos de outras religiões também fossem proibidos. “A grande questão não é se a escola permite ou não o uso de guias de candomblé, mas como a sociedade vai criar mecanismos para que todos os símbolos religiosos sejam expressos de forma igualitária”, disse o professor.
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Para o pastor Marcos Gladstone, fundador da Igreja Cristã Contemporânea, a proibição pode ter sido motivada por regras da escola, como as que restringem o uso de acessórios: “Se for assim não vejo problema. Mas se foi por motivo religiosos, acredito que a escola deve ser laica e respeitar o credo de cada um”. O Padre Lincoln Gonçalves, da Igreja de São Cosme e São Damião, no Andaraí, diz que o Estado laico tem a missão de preservar a fé. “A atitude que se vê nesse caso é muito mais de um Estado intolerante e ateu, que quer coibir os símbolos da fé. A Constituição determina que o Estado seja laico, e não ateu”.
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Choro e constrangimento
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Na tarde desta segunda-feira, o menino começou a frequentar outra escola municipal no Grajaú, sem ser incomodado por causa de suas guias e bermuda branca. A mãe dele afirma que X. ficou envergonhado e não quis mais estudar na antiga escola: ele se sentiu “julgado” pelos colegas e responsáveis que estavam no portão da escola quando foi proibido de entrar. Segundo a mãe, X. chegou a ficar três dias com febre e chorou copiosamente. O pai de santo Rafael Aguiar contou que após ser iniciado no candomblé, a pessoa, além de não poder pegar sol, precisa usar roupas claras, tapar a cabeça e usar as guias por um período de três meses: “A religião tem o seu simbolismo e suas ações, que precisam ser respeitadas”.
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Burca e véu são proibidos em escolas da França por vários motivos
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Proibições polêmicas pelo mundo
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Na França, véus e burcas causam polêmica desde que uma lei — decretada em 2010 mas que só entrou em vigor em abril de 2011 — vetou o uso dessas peças em espaços públicos e na rua. Em caso de desobediência, a pessoa pode ser multada em até 150 euros. Muita gente foi contra, considerando que o decreto estigmatizava as pessoas. Para defender a lei, o governo alegou a preservação da liberdade e do direito da mulher, a manutenção do Estado Laico e medida de segurança, para evitar que terroristas usem as vestimentas para não serem identificados. Em julho, a Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que o decreto francês é válido. Antes da decisão francesa, as vestimentas foram motivo de divergências no mundo. Em 2004, a jovem muçulmana Cennet Doganay, à época com 15 anos, raspou a cabeça em sinal de protesto por ter sido impedida de frequentar as aulas na França de véu. Ela tirou a peça, mas cortou os cabelos. Já no Brasil, outra jovem muçulmana teve problemas para renovar a carteira de motorista porque compareceu à prova teórica usando o véu. Ela registrou o caso na delegacia.
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Colaboraram Gustavo Ribeiro e Maria Luísa Barros
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Fórum Nacional da Educação - Para participar das discussões sobre a Educação brasileira

 
Por Alexandre Rodrigues Alves
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O Fórum Nacional da Educação (FNE) foi criado em 2010, por Portaria do MEC, e depois incorporado à Lei nº 13.005/14, que definiu o Plano Nacional da Educação (PNE). O FNE é o espaço de participação direta da sociedade civil nos destinos da educação brasileira, nos três níveis (federal, estadual, municipal), além de acompanhar a tramitação de projetos legislativos, avaliar os impactos da implementação do PNE, oferecer suporte técnico aos estados, municípios e Distrito Federal para a organização de seus fóruns locais.
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O site do MEC que abriga o FNE engloba os diversos organismos que implementam a participação popular nas ações do MEC. Um deles é a CONAE – Conferência Nacional da Educação; nessa guia estão os documentos e objetivos da CONAE e mais notícias sobre ela, que se realizará em novembro de 2014.
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No alto da página estão os três principais botões: para o acesso ao Plano Nacional da Educação, para a rede social que prepara o CONAE e o botão do CONAE 2010, que leva ao site com notícias, conclusões, documentos, apresentações e debates realizados no I Congresso Nacional da Educação.
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Logo abaixo está o menu horizontal, com os itens O fórum, que traz um histórico da participação popular nas discussões sobre educação brasileira e apresenta os objetivos do FNE. Ao lado está o item Documentos; como o nome já diz, reúnem-se ali os trabalhos que servem como referência para a criação e manutenção dos fóruns e conferências estaduais.
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O item seguinte no menu horizontal é Composição, onde estão listadas as instituições que fazem parte do Fórum, das comissões e grupos de trabalho, com endereço e e-mail de contato. À sua direita está o link para os fóruns estaduais, com notícias e resoluções por estado.
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A seguir está o item Publicações, que relaciona os trabalhos disponíveis: avaliações do PNE anterior, Planejamento educacional no Brasil, Agenda temática e Política Nacional de Educação.
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O penúltimo item é o tradicional Fale conosco, com os canais de contato. O último é o Quem é quem – no MEC e nas instituições que fazem parte do FNE. Na coluna da direita estão relacionados os eventos que estão por ocorrer, com links para acesso às suas notícias. Para quem tem interesse em conhecer e participar das discussões sobre as políticas públicas voltadas à educação brasileira, este é o espaço mais adequado.
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Publicado em 02 de setembro de 2014