terça-feira, 26 de agosto de 2014

A educação e os meios de comunicação

 

Lúcio Alves de Barros*
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Não creio que exista dúvida sobre o importante papel da mídia nos dias atuais. Sabemos de sua importância no campo da socialização de informações, da ressonância em publicidade no que toca ao cenário das políticas públicas, à democratização das informações e à necessidade de liberdade de sua ação no que se refere ao fortalecimento dos pilares da democracia. Não obstante sua importância, a mídia como veículo de informação na educação vem se revestindo, nas últimas décadas, de roupagens constrangedoras, complexas e perigosas.
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Uma das roupagens da mídia se refere ao seu papel de mediadora de relações sociais em ambientes domésticos e privados. Os meios de comunicação, especialmente a TV, ao entrar logo cedo na casa cheia de filhos, funcionam como verdadeiras babás eletrônicas, fornecendo ao infante ou ao adolescente um turbilhão de informações sobre os quais dificilmente os responsáveis teriam controle. Imagens duras, “reportagens quentes”, notícias sensacionalistas, acontecimentos sexualizados e sensualizados se misturam em horários diversos com propagandas, programas e publicidades. Com muita dificuldade uma criança entenderia o como e o porquê de determinadas ações serem direcionadas de determinada forma na tela da TV. Os cortes, as imagens, a cadência de informações não são neutras, e o descontrole por parte do receptor é inviabilizado, apesar da fala de que “não quer ver, desligue a TV”, “não leia o jornal” ou “não escute o rádio”.
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Outra roupagem dos meios de comunicação é o de ser uma instituição acima dos seres humanos e até de “deus”. Não por acaso, católicos e protestantes invadiram tanto canais abertos como fechados, vendo nesse veículo uma boa forma não somente de angariar fundos como também de levar ao crente o que determinadas religiões entendem por deus. Como mecanismo de poder, os meios de comunicação também assumem papel político. Tal como o anterior, trata-se de agente sem neutralidade e que produz de acordo com o “coronelismo midiático”, que no Brasil aparece nas mãos de poucas famílias. É o cúmulo do absurdo, haja vista que os meios de comunicação, notadamente as redes de televisão, operam alicerçados em concessões públicas que, a despeito da temporalidade, tem se mantido nas mãos dos mesmos donos de sempre.
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Outra e polêmica roupagem que a mídia assume é o de educadora em tempo integral. Aparentemente, primeiro ela atuou na base do vídeo; os mais velhos devem lembrar dos antigos telecursos passados logo ao amanhecer. Tais cursos atendiam tanto ao Ensino Fundamental como ao Médio. Com os avanços da informática, os meios de comunicação alcançaram a hiper-realidade e acabaram com as barreiras de tempo e espaço. Atualmente, pela internet os alunos interessados que não estudam nem em sala de aula se esforçam por assistir em vários meios uma ou duas aulas que, ao longo do tempo são armazenadas no ciberespaço. Mas a mídia vai mais longe: ela tem a pretensão de ser uma educadora privilegiada e uma potencial formadora de opinião e de identidades. Para isso, não é preciso tanta força. Os meios de comunicação têm ao seu dispor, diferentemente da sala de aula, imagens, sons, movimento e relações em tempo real. Também oferecem “facilidades”: ajudam no armazenamento, na comparação de informações, na organização de dados e nas pesquisas. Todavia, ela também forja a preguiça, a miopia mental, a mentira, a falsidade e a ideia de que guardar e reter conhecimento é o mesmo que saber usá-lo. Daí a presença marcante das colas nas instituições de ensino e da produção de “intelectuais” que operam na simples repetição de ementas e conteúdos.
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Para finalizar, é preciso apontar que podemos ser vítimas desse “porre” de informações que tende a embebedar computadores com livros que não vão ser lidos, pesquisas, relatórios e dados que jamais serão aproveitados. O perfil da educação oferecido pela mídia não comporta a educação crítica e transformadora. Não é por acaso a presença do corte, dos programas gravados e da inexistência do contraditório. Não é possível, ao contrário das ações das instituições de ensino, colocar em xeque a mídia educacional que navega na burrice de massa, no pensamento pequeno e na falta de ética em relação aos que não possuem poder. Nesse caminho, é imperioso lembrar aqueles que estão por trás dos mass media. Eles, apesar do chamado ciberespaço, não falam por si. Atrás dos computadores, da TV, dos rádios, revistas e jornais, temos uma “educação” manipulada por poucos e que não possuem o mínimo de didática, currículo e que não chegam nem perto do que se entende por cuidado com o outro.
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* Professor da Faculdade de Educação da UEMG - Publicado em 26 de agosto de 2014 - Edição 32.
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Fonte: Revista Educação Pública: Reflexão e interação de educadores, RJ: In: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/comunicacao/0035.html

sábado, 23 de agosto de 2014

Inclusão de alunos com deficiência cai no Ensino Médio

Todos Pela Educação*
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Apesar das crescentes taxas de inclusão dos alunos com deficiência nas escolas públicas e privadas do Brasil, muitos deles não chegam ao Ensino Médio. E dos que conseguem alcançar a etapa final da Educação Básica, boa parcela não a conclui.
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Entre 2007 e 2013, a porcentagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação matriculados em salas de aula regulares cresceu de 46,8% para 76,9%. Em consequência, o número de crianças e jovens em escolas de Educação Especial decresce anualmente – no ano passado, dado mais recente, 843.342 frequentavam exclusivamente esse tipo de instituição..
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Os dados fazem parte de um levantamento do Todos Pela Educação para o Observatório do PNE (leia mais abaixo) e utilizam como fonte o Censo da Educação Básica, realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
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A meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE) determina que, até 2024, toda a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação tenha acesso à Educação Básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados. Durante a tramitação do plano, a meta 4 foi alvo de intenso debate no Congresso Nacional, travando o avanço da matéria (relembre aqui).
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Para a gerente da área técnica do movimento Todos Pela Educação, Alejandra Meraz Velasco, os dados revelam que o esforço enorme que é feito para a inclusão nos anos iniciais do Fundamental se enfraquece nos anos finais dessa mesma etapa. "O sistema vem perdendo alunos. A falta de estrutura das escolas, aliada ao vínculo mais distante que eles têm com os professores no Fundamental II, podem ser apontados como hipóteses para explicar essa queda",
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Fonte: Todos pelka Educação

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Programa busca romper com bullying a crianças com diabetes

São Paulo. A educadora Lisandra Paes, 41, já perdeu as contas das vezes que teve a matrícula da filha de 17 anos e portadora de diabetes recusada em escolas públicas e privadas de São Paulo. Episódios de preconceito, bullying e falta de conhecimento de profissionais e alunos, associados ao crescente aumento dos casos da doença em todo o país, fizeram com que o Brasil fosse, ao lado da Índia, um dos escolhidos para receber o programa KiDS (abreviação de Crianças e o Diabetes nas Escolas, em inglês). Entre os dez países com o maior índice da doença, o país asiático está em segundo lugar, e o Brasil, em quarto.
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O programa piloto foi lançado nesta terça, em São Paulo, com o objetivo de selecionar, até o fim do ano, 15 escolas públicas e privadas brasileiras (13 em São Paulo e duas no Ceará) para ser capacitadas a lidar com crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos portadores da doença. “O diabetes pode ser controlado, porém, devido à falta de conhecimento, com frequência, as crianças diabéticas acabam sofrendo com algum estigma, isolamento. Precisamos fazer alguma coisa para prevenir a discriminação que vem associada a um quadro de saúde”, explica o especialista em educação da Federação Internacional de Diabetes (IDF), David Chaney.
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“Muitas mães de amigas proibiam as meninas de falar comigo ou elas mesmas faziam essa escolha porque achavam que o diabetes ia ser contagioso, ia pegar por toque ou tosse”, lembra a estudante Stella Sadocco, 17. Segundo a mãe da garota, as dificuldades são as mesmas nas escolas públicas e privadas. “Eles não falam que não querem sua filha, mas impõem uma série de exigências”, lembra Lisandra.
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Projeto. O programa KiDS conta com um pacote educativo com quatro módulos, um para cada tipo de público: escola, alunos, familiares e familiares de alunos com diabetes. Para serem escolhidas, as escolas devem obedecer a alguns critérios, como a quantidade de alunos. Em seguida, são realizados encontros para sensibilização e orientação, a distribuição do dossiê e, por fim, os treinamentos. No fim do programa algumas instituições serão reavaliadas. “São palestras interativas, quiz de perguntas e respostas, prática de atividade física e treinamento”, explica Denise franco, diretora da Associação de Diabetes Juvenil (ADJ Brasil).
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Lisandra também é coordenadora pedagógica na escola municipal de ensino fundamental e médio Derville Allegretti, em São Paulo, e, após a implantação do projeto, já percebeu os resultados. “No dia seguinte um dos professores conseguiu identificar uma aluna que não tinha relatado a doença porque tinha medo do preconceito. A educação traz resultados imediatos”.
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Online. Como o programa não conseguirá atender a todas as 200 mil escolas e 52 milhões de alunos no país, o kit ficará disponível para download .
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Iniciativa
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Parceiros. O programa é uma parceria entre a Sanofi, a IDF, a ADJ Brasil e conta com o apoio do Ministério da Saúde, Sociedade Brasileira de Diabetes e da Sociedade Brasileira de Pediatria.
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Diferenças
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Diabetes tipo 1 (10% dos casos): doença autoimune caracterizada pela falta de produção de insulina (hormônio que regula o açúcar no sangue) pelo pâncreas. Mais comum em crianças e adultos jovens até 40 anos.
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Diabetes tipo 2: ocorre a produção insuficiente de insulina. Mais comum em adultos, além de crianças e adolescentes, devido ao aumento da obesidade, por exemplo.
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Fonte: O Tempo (MG) - http://www.otempo.com.br/interessa/programa-busca-romper-com-bullying-a-crian%C3%A7as-com-diabetes-1.895124

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

‘O melhor modelo de universidade é o que aposta na diversidade’

Nos últimos tempos, o professor Ivan Domingues, do Departamento de Filosofia da Fafich, tem se debruçado sobre o presente e o passado das universidades para tentar compreender os novos caminhos a serem trilhados por essa instituição nascida no final da Idade Média. Sua reflexão sobre a universidade, em especial a UFMG, vem sendo materializada tanto em conferências – como a feita no Fórum de Estudos Contemporâneos, promovido pela Pró-reitoria de Planejamento no ano passado – quanto na participação em instâncias destinadas a propor mudanças para a Instituição.
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Como coordenador do Seminário Universidade do Futuro, protagonizado pelo Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat), ele trabalha na análise da proposta de criação de bacharelados interdisciplinares. Já no Instituto Brasil Europa, consórcio de universidades brasileiras e europeias financiado pela União Europeia, Domingues contribui com a dupla missão de instalar um doutorado transdisciplinar e interinstitucional em políticas públicas e de formular novo conceito de extensão, mais atrelado a atividades de difusão do conhecimento e de educação superior. Toda essa imersão tem deixado preocupado esse filósofo com formação pela UFMG e pela Universidade de Sorbonne, na França. Para ele, a universidade contemporânea, principalmente a brasileira, está massificada, burocrática e confusa, com uma carga de atividades que deixa os docentes extenuados e distantes do ensino inovador e da pesquisa avançada. “Os fundamentos estão abalados”, resume ele.
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Nesta entrevista a DIVERSA, Ivan Domingues faz minuciosa análise do papel histórico da universidade – “ela nunca teve o monopólio da geração e disseminação do conhecimento” – e defende a adoção de modelos mais flexíveis e ajustados às realidades regionais. Sobre a UFMG, que completou 85 anos em setembro passado, o filósofo valoriza o que chama de “ethos unificado”, que se caracteriza pela lealdade institucional, e permitiu à Instituição crescer em qualidade e quantidade. Mas vê sinais de fadiga. “Nosso ethos persiste, mas com fissuras, e elas precisam ser soldadas”, adverte.
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Como a Universidade enfrenta o fato de não ter mais o monopólio de geração e disseminação do conhecimento? Isso a torna menos relevante que no passado?
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No meu modo de ver, a universidade nunca teve o monopólio. Isso é uma presunção equivocada. É uma ideia que não fica em pé se for examinada com mais cuidado. A universidade só foi criada nos séculos 12 e 13. E antes disso já havia produção e difusão do conhecimento na Academia de Platão, no Liceu de Aristóteles, no Jardim de Epicuro, na Biblioteca de Alexandria, nas escolas médicas de Hipócrates e nos tribunais da Magna Grécia e do Império Romano, que eram o centro não só da produção como também da práxis jurídica. No final da Idade Média, o panorama muda, com a criação das universidades, em sua maioria, ligadas à Igreja. Antes das universidades, também existiram as escolas monásticas, importantíssimas, e que se encarregavam da formação do clero. Havia ainda as corporações de ofício que também geravam conhecimento técnico de acordo com as necessidades da sociedade da época.
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O que eram essas corporações?
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Elas se ocupavam do ensino técnico, e a diversidade era enorme: tabeliães, ourives, escultores, marceneiros, mestres de obras e toda sorte de artesãos, cujas técnicas eram transmitidas pela tradição oral e com a ajuda da experiência. A esse grupo se associam as chamadas artes mecânicas, que abarcavam um conjunto de disciplinas técnicas e práticas: a produção de lã, o ofício de agricultor, a fabricação de armamento, a arte da navegação, os ofícios ligados ao teatro e a própria medicina. Havia também os ateliês de arquitetura, que abarcava a engenharia, a engenharia civil, e estava associada a um sem-número de profissões ligadas à arte da construção e da decoração dos edifícios, religiosos e civis. A universidade veio se integrar a essa paisagem bem mais tarde, quando passou se ocupar de três formações: Teologia, que também abrangia a Filosofia, Medicina e Direito. Era uma formação em que o humanismo cristão predominava.
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E depois?
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Na renascença e na era moderna, surgem novas experiências e reagrupamentos, com índole mais laica. Especialmente na modernidade, quando muitas universidades foram criadas, como Harvard, que data de 1636, e cujo fundador era egresso de Cambridge. O modelo segue sendo as universidades medievais, de formação mais humanista, porém logo elas passam a sofrer a concorrência das academias de ciência, como a de Florença, a da França e a Royal Society de Londres. Newton tinha um pé na universidade e outro na academia. Ele ensinava em Cambridge e atuava na Royal Society, da qual foi presidente por cerca de 20 anos. Descartes desenvolveu pesquisas em anatomia e fisiologia fora da universidade e nunca ensinou na universidade, assim como Pascal. Enfim, esses exemplos mostram que o monopólio das universidades não resiste a um exame mais apurado. Esse sistema bipolar foi transformado no século 19 graças à experiência da Universidade de Berlim, fundada por Humboldt [Wilhelm von Humboldt]. Essa dicotomia entre ensino e pesquisa desaparece, e a ciência é levada para dentro da universidade. Tanto que muitas universidades passaram a seguir o modelo humboldtiano. Já nos séculos 20 e 21 o sistema ganha muita escala. E junto surgem laboratórios e institutos de pesquisa independentes que passam a desempenhar papel muito importante na pesquisa e produção do conhecimento. Merece destaque a Royal Institution, fundada em 1799, em Londres, o primeiro laboratório público de pesquisa, contando em seus quadros com os primeiros cientistas assalariados, e que existe até hoje. Já as grandes corporações privadas, as mais conhecidas, surgiram a partir da metade do século 20. Resumindo, monopólio nunca houve; hegemonia, sim, por certos períodos. De qualquer forma, diferentemente dos institutos de pesquisa, a universidade tem uma particularidade que é a de permitir a aliança entre o conhecimento e o ensino; a pesquisa e o ensino.
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Houve uma era de ouro das universidades?
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Se houve, penso que foi o século 20. A Idade Média foi importante porque marca o início, mas a explosão começa em meados do século 19. A maioria das universidades dos Estados Unidos é dessa época, e o apogeu americano veio depois da Segunda Guerra – pelos motivos que todos sabemos. A partir daí, as universidades americanas superam as europeias.
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O sistema universitário norte-americano se consolidou muito rapidamente...
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Os Estados Unidos têm escala, densidade e diversidade, sendo uma referência interessante para o Brasil, que tem diversidade e escala parecidas. Lá, o modelo humboldtiano fincou raízes muito cedo. Porém, a partir da segunda metade do século 19, podemos falar em universidade propriamente neo-humboldtiana; o prefixo neo é por conta das mudanças. A fundação do MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts] é um marco, por causa da introdução da tecnologia. Se, com Humboldt, há a associação entre humanidades e ciência, no MIT as engenharias e a tecnologia passam a ocupar lugar central na universidade. A agenda da inovação tecnológica ganha relevância em muitas universidades, e um novo modelo passa a imperar.
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O que significa essa ideia de refundação da universidade defendida pelo senhor?
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Quando digo isso é porque, no meu modo de ver, a universidade brasileira está fundada, mas precisa ser refundada, e refundar é algo como consertar um navio avariado em alto-mar; o reparo tem que ser feito com o navio em movimento. Eu não quero exagerar na metáfora. É só uma ideia. A universidade está fundada, mas os fundamentos estão abalados.
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Que fundamentos são esses?
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O tripé ensino-pesquisa-inovação nunca se consolidou. Não se trata de resgatar alguma coisa, uma ideia original de universidade. O tempo da universidade medieval já passou. Significa, no meu modo de ver, relançar o projeto da universidade neo-humboldtiana, baseada no tripé ensino-pesquisa-inovação. Essa ideia de que a universidade brasileira precisava ser fundada é do Darcy Ribeiro. Por ocasião da criação da Universidade de Brasília, há 50 anos, ele dizia que a universidade brasileira era um aglomerado, um conjunto de faculdades reunidas em torno de uma reitoria. E ele tinha razão. Quase todas seguiam esse modelo, uma federação de faculdades de Engenharia, Direito, Medicina. Ele mostrava os números. Nos anos 1950, a UFMG tinha 3,6 mil estudantes e a USP, cerca de 9 mil. Se compararmos com os números de hoje, veremos que alguma coisa de extraordinário aconteceu. A UFMG passou de pouco mais de três mil para mais de 52 mil alunos, quase 20 vezes mais em cinco décadas. E desdizendo o Darcy, acredito que hoje a universidade está fundada. O que ela precisa é ser refundada, e isso não tem nada de dramático, é da natureza das instituições. Não se trata de criar uma universidade nova como a projetada pelo Darcy Ribeiro, que imaginava que a maior de todas, localizada na capital federal, teria não mais do que 10 mil estudantes. A Unicamp foi fundada com projeção de um teto de 10 mil alunos, com a perspectiva de que o sinal deveria ser aceso quando chegasse a esse limite. O que se vê hoje é outra realidade, é a construção de uma universidade de massa. E isso criou um monte de problemas. Os fundamentos precisam ser juntados, reforçados, trabalhados, por vários processos de reparos e modificações. As universidades de elite são pequenas. Stanford tem 15 mil alunos; Harvard, 21 mil; Oxford,16 mil; Cambridge, 14 mil. Universidades com 30 mil, 40 mil alunos, já são instituições de massa, e as nossas principais universidades, as federais e as estaduais paulistas, já ultrapassaram – e muito – esse teto.
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Em que bases esse trabalho deve ser feito?
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É preciso pensar modelos, propostas, projetos diversificados. A essência da universidade é o ensino e ele tem que ser associado à pesquisa. Já a inovação tecnológica abre um caminho novo. Nós já percorremos um caminho, chegamos relativamente tarde, mas isso não é desculpa. Parte das americanas também começou relativamente tarde, e as asiáticas também. É preciso propor um modelo diversificado capaz de atender a certas vocações, inclusive regionais. O MIT foi fundado para atender um projeto de desenvolvimento da região de Massachusetts. Em boa medida, o nosso problema deve-se a um modelo jurídico único à europeia que estabelece o mesmo arcabouço para todas as instituições. Temos que dispor de modelos diversificados, com vocações diferenciadas. A universidade que está na Amazônia precisa pensar um projeto, inclusive geopolítico, diferente daquele que existe no Sul do país.
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O senhor entende que a universidade está assumindo atribuições que não são suas?
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Sua pergunta não é fácil de responder (risos). Mas nesse contexto de expansão, de universidade de massa, há um sentimento generalizado de que ela ficou irracional, com uma estrutura resistente, pesada e burocrática, em que os meios engolem os fins. O professor está soterrado pelas demandas, tarefas que não têm nada a ver exatamente com ensino e pesquisa. Por outro lado, há aulas demais e pesquisas de menos, o que condena o aluno a uma total passividade. É um modelo em que o professor é o centro, a fonte do saber, e o aluno, o receptor. Isso está completamente ultrapassado. Nas universidades europeias e americanas, a carga de aulas é muito mais baixa, e a de pesquisa, muito mais elevada. É preciso dar um choque de racionalidade administrativa. Racionalizar melhor os processos nas diferentes frentes de ensino, pesquisa, extensão, inovação e assim por diante. Um colega do Canadá, que conhece bem o Brasil, comentou, a propósito do nosso modo de trabalhar nas instituições acadêmicas, que o governo e as instâncias superiores vivem desconfiados de que o professor não trabalha. O resultado disso é uma universidade “tarefeira”.
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Sobre a questão das atribuições, não chamaria exatamente de excesso, mas de superdimensionamento. Veja o caso da extensão. Algumas fazem mais, outras menos. Na França, a Sorbonne tem pouca extensão. A Universidade de Paris 4, por exemplo, oferece cursos de francês para estrangeiros. Oxford tem um grande centro de extensão, mas que funciona mais como prestação de serviços. A nossa extensão tem outro sentido, inclusive para suprir certas carências sociais.
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Parece que ela tenta preencher uma lacuna deixada pelo Estado...
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Pois é, faz parte da cultura da nossa universidade assumir esses encargos. Isso ocorre com as federais e as estaduais paulistas. O Hospital das Clínicas da Universidade de Campinas atrai pessoas de países vizinhos, da Bolívia, por exemplo. E como o de Campinas, os hospitais das Federais ultrapassam a dimensão de hospital-escola e passam a prestar um serviço à comunidade que adquire dinâmica própria e ocupa o primeiro plano. Defendo que alguma extensão as universidades devem fazer, não podem ficar exiladas intramuros. Só que isso precisa ser redimensionado. Há muito business e prestação de serviços em nossas atividades de extensão. É preciso voltar a focalizar a formação e o ensino.
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A extensão hoje ocupa um lugar mais importante do que a graduação na universidade brasileira?
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A extensão ficou inflada, inchada. Na extensão, repito, faz-se business, prestação de serviços e assistência. Quando falo de refundação, tenho em mente que é preciso pensar em profundidade os fundamentos da extensão, remodelando-a. Recentemente, trabalhamos no contexto do Instituto Brasil Europa, um projeto de pós-graduação lato sensu, que vai tentar propor um conceito mais robusto de extensão que não envolva apenas prestação de serviço, business e assistência, mas assuma também um compromisso maior com a difusão do conhecimento e com a educação continuada. Parece-me uma boa direção para pensar a extensão.
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Ainda sobre a graduação. Ela não enfrenta uma crise até mesmo em função dos encargos administrativos, das tarefas e da obrigação de publicar cada vez mais?
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Há uma tendência de ver a graduação como estorvo e patinho feio. A graduação também deve ser repensada profundamente. É preciso implantar um projeto mais inteligente, menos “aulista”, com mais pesquisa, menos engessada e cartorial, mais aberta a novas experiências, flexível. Nesse sentido, estamos realizando um seminário, A Universidade do Futuro, e em um de seus módulos, nos dedicamos a examinar a proposta de implantação de bacharelados interdisciplinares na UFMG. Já existem experiências parecidas nas universidades federais da Bahia e do ABC. São inspiradas em práticas das universidades americanas, que desenvolvem bacharelados interdisciplinares em grande escala na Califórnia e em outros estados que duram, em geral, dois anos e que oferecem uma formação mais ampla para o estudante que ingressa na instituição; depois essa formação é afunilada nos cursos profissionais. É uma proposta boa, pois evita uma opção precoce, da qual o aluno vai se arrepender depois e que vai obrigá-lo a fazer outro vestibular ou buscar uma reopção. Outra experiência é a de Harvard, que implantou há anos o currículo de General Education, graças ao qual é fornecida uma formação geral humanística, científica e tecnológica ao conjunto dos alunos da universidade logo nos primeiros anos.
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O produtivismo e a cultura dos rankings são marcas da universidade contemporânea. Como o senhor vê esses fenômenos?
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Só há culto aos rankings em ambientes com uma cultura produtivista e governada pelo marketing. Medir uma produção é uma forma de mostrar quem é quem, tirar a instituição ou o indivíduo do anonimato e patrocinar a concorrência. Os rankings permitem fazer a comparação e dão uma ideia de qualidade. Parece que vieram para ficar, só que provocam toda sorte de distorções, e isso me causa grande preocupação. Os rankings trocam o médio pelo curto prazo e sacrificam a qualidade, medindo-a pela quantidade. O ranking é comandado pela lógica do publish or perish, do publicar ou morrer, e isso tem a consequência de dividir o mundo entre vencedores e derrotados. Agora, você imagina uma academia dividida entre vencedores e derrotados, funcionando em bases de concorrência e não de cooperação?
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Como vê a questão das cotas? Elas comprometem a ideia de mérito?
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É uma matéria muito controversa e polêmica. Mas não acho que seja uma escolha entre cotas e mérito. É entre justiça e mérito, e creio ser possível balancear e equilibrar os dois princípios. Entendo que o mérito é sagrado, e se o governo e as universidades abrem mão dele e insistem em canetadas populistas fatalmente vão causar estragos terríveis e levar décadas de esforços à ruína.
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Mas a adoção das cotas é um processo sem volta...
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Exato, é uma questão que está posta. Em princípio, sou favorável a ações afirmativas por cotas, seja por critérios étnicos ou socioeconômicos, favorecendo as escolas públicas, desde que temporalizadas, limitando-as a determinado número de anos. É uma maneira de fazer justiça por meios políticos. Agora, a comparação com os Estados Unidos é inevitável. Lá se fazem ações afirmativas há mais de 50 anos, e o assunto ainda desperta muita polêmica. Há muitos estados que faziam ações afirmativas e não fazem mais, como a Califórnia, onde a população hispânica e de afro-americanos é muito grande. A universidade do Texas, por outro lado, faz uma ação afirmativa na linha da adotada pela UFMG [o bônus, aplicado nos vestibulares 2009, 2010, 2011 e 2012], só que muito mais ousada. Ela admite cerca de 80% dos seus estudantes sem vestibular, selecionando os melhores alunos nas escolas públicas. Já o Brasil chegou muito mais tarde, e a nossa população de não brancos é de 50%, bem superior à dos americanos. Chegou tarde e é urgente fazer isso. Temo, todavia, que a ênfase em critérios étnicos termine por racializar tudo e complique mais ainda as coisas, ao passo que o nosso problema maior, de longe, é a desigualdade social e econômica, que vem causando estragos históricos em todas as camadas pobres, independentemente das etnias ou das raças. Tenho a sensação de que as coisas estão sendo feitas a toque de caixa, com muito voluntarismo e pouca reflexão. A impressão que dá é que as medidas governamentais são populistas e imediatistas. Pegam o ensino pelo alto e deixam de lado o início e o meio, ou seja, os ensinos fundamental e médio. Não vejo nos governantes uma preocupação sincera em melhorar esses níveis de ensino. O médio vive um verdadeiro apagão e Brasília finge que não está acontecendo nada. Recentemente, o MEC propôs mais uma reforma de currículo. Meu medo é que as universidades paguem sozinhas a conta das cotas e, sem o sentido do mérito, acabem sucateadas. Daí as minhas reservas. Se a escola pública um dia for resgatada no primeiro e segundo graus, promovendo a democratização do acesso e a qualidade do ensino em nosso país, a política de cotas perderá a razão de ser e será esquecida.
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Que análise o senhor faz das principais tendências das universidades contemporâneas? As instituições asiáticas, por exemplo, cresceram muito.
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Os asiáticos alcançaram coisas incríveis. O Japão, a Coreia e, agora, a China.
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Suas instituições já conseguem penetrar nesse grupo de excelência formado pelas universidades americanas e europeias?
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Já sim. Muitas delas já aparecem entre as top 100 dos rankings internacionais, como o de Shangai. Vivemos num mundo cada vez mais globalizado, e, em termos geopolíticos, vê-se que a balança pende para a Ásia. Isso está criando uma nova dinâmica, que repercutirá cada vez mais nas instituições de ensino superior. Algumas das universidades asiáticas estão buscando aproximação com as americanas e inglesas. No caso da China, há escala e muita ambição. Mas a Coreia, que é menor, salvo engano tem um terço da população do Brasil, acumula realizações extraordinárias no ensino superior, inclusive com um modelo jurídico que favorece a aproximação com grandes empresas, como a Samsung.
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O Brasil está perdendo o bonde da história?
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Há uma janela de oportunidades observada pelos demógrafos e economistas. A população brasileira ficou mais estável, o país está mais rico, o crescimento populacional se estabilizou, os recursos podem ser melhor distribuídos. É uma janela única. Agora, ela só será aproveitada se houver investimento forte em educação, em ciência e tecnologia. E isso não está sendo feito. É urgente. É para ontem. Caso contrário, a janela vai fechar. Alguns economistas dizem que o melhor momento já passou e que estaríamos condenados nos próximos tempos a ser um país com uma população envelhecida e de renda média.
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Como o senhor analisa a trajetória da UFMG. Que futuro o senhor vislumbra para a Instituição?
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Tenho uma ligação muito forte com esta universidade. Aqui, fiz graduação e mestrado. Meu doutorado foi na França, na Sorbonne, mas com apoio da UFMG, que manteve meu salário de professor, e da Capes, que me concedeu a bolsa. É com orgulho que eu vejo a UFMG bem ranqueada. Sua história é muito positiva, e ela cresceu muito em quantidade e qualidade. Houve um esforço coletivo muito grande. Nós, professores, temos um ethos unificado, caracterizado pela aderência e coesão institucionais, que ajudaram muito a UFMG em sua história recente. Só que ela está cansada, as pessoas estão meio exauridas. Nosso ethos no fundo é o do mineiro, aclimatado a um meio específico, que é a academia, e ele ainda persiste, mas com fissuras, e elas precisam ser soldadas. Não quero estabelecer uma dicotomia intergeracional, mas pessoas que ingressam agora chegam com muita pressa.
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Como fazer essa “soldagem”?
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O ethos está dentro da gente, temos ou não o temos, e ele só se fortalece sendo exercitado. Soldar as fissuras e consertar os defeitos das instituições não é muito diferente da operação de reparar as avarias do navio em alto-mar, que deverá ser feita com o navio em movimento, e não com ele parado. Este é o caso da UFMG e da universidade pública brasileira. Como eu já disse, elas já estão fundadas, precisam ser refundadas, e a refundação é interna e passa pelo ethos. O mal que nos aflige pode ser facilmente diagnosticado e tem duas etiologias: uma é o produtivismo, que atinge uma parcela dos docentes; a outra é o tarefismo, cuja escala é maior ainda, atingindo virtualmente a todos e só poupando os egoístas e indolentes existentes em quaisquer instituições. Como erradicar esses males que, mesmo se vieram de fora, hoje estão absolutamente interiorizados? Convenhamos, não será fácil. No limite, teríamos de nascer de novo, e nisso consiste a refundação. As forças de resistência e da mudança deverão ser encontradas dentro de nós para resultar em um novo pacto.
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Em que termos esse pacto deve ser firmado?
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O pacto deve envolver uma agenda política, associada à escolha dos dirigentes e dos reitores. Mas não é só. Será preciso também dar um choque de gestão e de racionalidade, desonerando os docentes de parte das tarefas administrativas, transferidas a quadros técnicos mais qualificados e mais bem pagos. O pacto também deverá dar lugar a uma nova agenda do conhecimento que não sofra tanto a pressão dos mercados e do aumento da produtividade, que vai junto com o aumento do descarte e da entropia. As próximas gerações terão esse grande desafio. Universidades centenárias passaram por crise parecida e, bem ou mal, sobreviveram, mas mudando.
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O senhor entende ser sustentável o recente processo de expansão da universidade brasileira?
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Nesse sentido, sempre apresentei minhas reservas em relação ao Reuni do jeito que foi feito. Ele perdeu o “Re” e ficou com o “Uni”. A questão do tamanho não foi pensada. Os chineses não querem passar de 40 mil alunos, e nós já estamos com 52 mil. A USP tem quase 90 mil. Universidades desse tamanho são ingovernáveis. Penso que o caminho talvez seja expandir as federais em diferentes pontos do Brasil, escolhidos estrategicamente. Essa expansão é essencial para o nosso projeto de desenvolvimento. O país tem poucas universidades. A Região Metropolitana de Belo Horizonte tem espaço para outra federal, nas imediações de Betim e Contagem. É preciso projetar outras instituições com qualidade, focadas nas questões regionais. Não podem ser moldadas por camisas de força que as impeçam de desenvolver novas experiências. O melhor modelo é o que aposta na diversidade. Se na natureza diversidade é riqueza, na cultura não é diferente.
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Fonte: REVISTA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - Ano 12 - Número 20 - abril de 2013. https://www.ufmg.br/diversa/20/entrevista.html

A academia tropical

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O campo científico da Administração cresceu vigorosamente nas duas últimas décadas. Há hoje, no Brasil, 78 programas de pós-graduação para formação de mestres e doutores. Esses programas contam com cerca de 1,2 mil professores e produzem por ano quase 1,4 mil dissertações de mestrado e mais de 200 teses de doutorado. Anualmente, mais de 4 mil trabalhos são apresentados em duas dúzias de eventos acadêmicos, geralmente em aprazíveis cidades litorâneas e bucólicas estâncias nas montanhas. O campo conta cerca de 80 periódicos científicos, os quais somados publicam, aproximadamente, 2 mil artigos por ano. Informação relevante: parte considerável do sistema é bancada por recursos públicos.
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Dado que a Administração é uma ciência aplicada, supõe-se que o dinheiro investido seja utilizado de forma honesta e eficiente para ajudar o País a superar sua vexatória incompetência gerencial. Mas a qualidade e o impacto social da produção acadêmica da área são decepcionantes. As reflexões revelam fraquezas metodológicas, baixa capacidade de construção de teorias e afastamento da realidade brasileira.
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Em uma tese de doutorado defendida em junho na FGV-Eaesp, sob a orientação do colega Rafael Alcadipani, Paulo Marcelo Ferraresi Pegino analisou com lupa crítica nosso estranho modo de produzir ciência. O pesquisador aferiu a produção de 168 pesquisadores, bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), supostamente a nata da área de Administração. Os resultados são preocupantes.
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Primeiro, sobra quantidade e falta qualidade. No período analisado por Pegino, cada pesquisador publicou em média um artigo por trimestre. O mais produtivo atingiu a impressionante marca de dois por mês. Por outro lado, os pesquisadores levam em média dez anos para publicar em periódico de alta qualidade.
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Segundo, emergiu da pesquisa de campo uma prática heterodoxa de divisão do trabalho: os mais jovens (alunos de mestrados e doutorados) pesquisam e escrevem e os mais velhos (professores doutores), assinam. No período analisado, dois terços da produção científica dos pesquisadores foram gerados por orientados. Os orientadores aparecem como primeiros autores apenas em 16% dos trabalhos. Em suma, os textos científicos são produto de uma linha de montagem voltada para a geração em massa de artigos de baixo impacto e qualidade duvidosa.
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As entrevistas realizadas por Pegino com pesquisadores e alunos de doutorados revelam o funcionamento da máquina. As diretrizes de produção vêm de Brasília e são desdobradas em cada unidade industrial. Nas fábricas, os capatazes põem seus servos a trabalhar. Trechos das entrevistas revelam uma dura realidade: a pressão permanente por produção e a reação de professores e estudantes. O mercado é muito competitivo e pouco seletivo, mais importa a quantidade que a qualidade. Os mais velhos respondem como podem ao sistema, frequentemente empregando artifícios criativos para atender às metas de produção. Os mais jovens se submetem. Quem não produz é condenado ao desterro. Alguns pesquisadores se esmeram na adaptação, tirando o máximo rendimento de suas fábricas e de seus servos. Outros, sabe-se bem, se refugiam na nostalgia de tempos passados e empregam sofisticada retórica para defender sua zona de conforto. Aqui e acolá, surgem casos exóticos: alunos que parecem fazer trabalho de ghost-writer e doutorandos que orientam mestrandos.
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A tentativa de transformar a lerda e improdutiva academia tropical em máquina do conhecimento parece ter gerado uma linha de montagem cara e anacrônica, comandada (segundo palavras dos entrevistados de Pegino) por pseudopesquisadores, orientadores fantasmas, picaretas, primas-donas e cafetões acadêmicos. Um dos pesquisadores ouvidos criticou a fixação dos colegas com o acúmulo quantitativo de publicações e a dificuldade para veicular artigos em periódicos de alta qualidade: “(É) igual ao carnaval de Salvador: o cara está muito mais preocupado em quantas ele esteve [...] do que com a qualidade da mulherada que ele pegou, entendeu? [...] só que é o seguinte, meu amigo, pra pegar baranga é um minuto de conversa, pra pegar gata tem de conversar, tem de levar”. Bonito, não? Sem comentários.
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* - Administrador, professor e colunista da revista Carta Capital