quinta-feira, 28 de março de 2013

Tecnologia em sala de aula não é suficiente no Brasil

 
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“A mera presença dos objetos técnicos em sala de aula não significa necessariamente inovação. Pode até ser um grande retrocesso. O computador sozinho não faz nada”, afirma Edvaldo Couto, professor da Universidade Federal da Bahia. Doutor em Educação pela Unicamp e palestrante das duas edições do InovaEduca 3.0, SP e Recife, ele trabalha em suas pesquisas temas como cibercultura, tecnologias educacionais e criação de narrativas em ambientes digitais. Defensor assíduo do “uso de toda e qualquer tecnologia em sala de aula”, Edvaldo acredita que a Educação 3.0 será aplicada com sucesso quando alguns problemas estiveram solucionados, como a falta de infraestrutura nas escolas e a má formação tecnológica dos professores.
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Em entrevista ao Porvir, o professor abordou as questões que permeiam o uso da tecnologia na sala de aula, como isso tem sido feito no Brasil e, ainda, falou sobre as perspectivas educacionais para um futuro próximo. Confira:
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Como usar a tecnologia de forma inovadora?
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 Edvaldo Couto - A mera presença dos objetos técnicos em sala de aula não significa necessariamente inovação. Pode até ser um grande retrocesso. O computador sozinho não faz nada. A Educação 3.0 é a tecnologia de pessoas, que integra pessoas. Para usar as tecnologias digitais de forma inovadora nas práticas docentes precisamos solucionar simultaneamente três problemas:
 
1 – Melhorar a infraestrutura tecnológica. Existem escolas que receberam computadores e não têm luz elétrica ou acesso à internet. Muitas escolas não têm água potável, não têm biblioteca, não tem sequer professores. Para complicar, os computadores são em número limitado, não tem para todos. É preciso ampliar e criar novas políticas públicas capazes de construir uma boa infraestrutura tecnológica nas escolas.
2 – Melhorar o acesso à rede. A banda larga no Brasil é uma piada. É preciso investir e melhorar a banda larga, entender que conexão é uma necessidade básica da população. Os custos no Brasil, por um serviço sempre ruim, são altíssimos. Precisa reduzir drasticamente o custo e ampliar a velocidade da rede. A internet veloz precisa estar disponível nas escolas. Não pode ser um projeto de algumas escolas particulares e muito caras. Deve ser presença em todas as escolas. Em cada escola pública.
3 – Formar adequadamente os professores para a cultura digital. Muitos professores não sabem o quê nem como fazer uso das tecnologias digitais em suas práticas docentes. Não pode ser apenas um cursinho de poucos horas para ensinar a ligar e desligar aparelhos. Os professores devem ser letrados digitalmente, ter autonomia e liberdade, precisam ser sujeitos integrados na cultura digital.
Esses três pontos na verdade ressaltam que, quando se fala em tecnologias digitais não mais falamos em máquinas, mas em pessoas conectadas, fazendo coisas incríveis porque estão juntas, trabalham em parcerias, de modo coletivo. Se as pessoas não estiverem conectadas e não tiverem liberdade para discutir e criar, nada mudará na educação.
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Uma de suas pesquisas é voltada para a Narrativas de Professores nas Redes Sociais Digitais. Como elas podem auxiliar no processo de aprendizado?
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 Couto - É possível que o mais extraordinário da nossa época seja o fato de qualquer pessoa conectada a internet poder narrar a sua história, contar sobre o seu modo de ver os acontecimentos, opinar sobre um produto, discutir e difundir ideias. A Web 3.0 potencializou essa condição e permitiu a cada um narrar e publicar suas experiências. Então, as narrativas, sobretudo as pessoais, se multiplicam a cada dia nessa esfera pública que é a rede. Muitos professores vivem conetados, são incríveis narradores de si, mas sobretudo de suas práticas docentes. Essas narrativas de professores, especialmente nas redes sociais digitais, orientam, estimulam e se misturam a milhares de outras narrativas de alunos. Qualquer processo de ensino e aprendizagem se mostra mais rico e interessante em meio a essas trocas contínuas.
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Como deve ser o processo de integração desse professor na cultura das redes sociais?
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Couto - Essa é uma boa questão, porque de fato vivemos uma estimulante e sedutora cultura das redes sociais digitais. Muitos são os professores integrados a algumas dessas redes, mas poucos usam as potencialidades desses ambientes nas suas práticas pedagógicas. Esse parece ser o nosso maior desafio: incentivar professores a inovarem práticas docentes usando as redes sociais digitais. E aqui o importante não é apenas distribuir tarefas, mas, principalmente, criar e manter espaços contínuos e ativos de discussões, produções e difusões de conhecimentos.
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E como definir a Educação 3.0?
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Couto - A educação 3.0 traz as tecnologias digitais para a sala de aula para estimular a produção e a troca de conhecimentos. A ênfase não deve estar nos objetos técnicos, seus ambientes e aplicativos, mas nas interações, nas trocas, no fazer coletivo. Então a sala de aula passa a ser qualquer ambiente onde as pessoas se conectam umas as outras e criam, encontram soluções para seus problemas, enfrentam coletivamente seus dilemas. Onde tem pessoas conectadas, tem ensino e aprendizagem mediados por tecnologias digitais. O professor não é mais aquele que transmite um determinado saber pronto. Ser professor na cultura digital implica coordenar, orientar, incentivar a aprendizagem colaborativa e cada vez mais personalizada. Não se trata mais de uma mesma tarefa para todos num determinado espaço e tempo. O professor agora é aquele que coordena as atividades em torno de algum problema, ou de determinados problemas. Assim, muitos grupos, em diferentes espaços e tempos, podem trabalhar em conjunto. Cada professor, cada aluno, pode abrir uma frente de investigação e todos podem compartilhar dúvidas e descobertas. A troca contínua de experiências passa a ser um valor fundamental da Educação 3.0. Ela depende menos dos objetos técnicos utilizados e mais das articulações que são feitas. Estar conectado passa a ser a condição desse “estar junto e produzir coletivamente”.
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Como ela tem sido usada no Brasil?
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 Couto - Essas experiências estão presentes em muitas escolas no Brasil. Mas ainda não é o suficiente porque em muitos ambientes escolares o modelo transmissivo impera. Os usos frequentes das tecnologias digitais nos processos de ensino e aprendizagem vão mudar radicalmente o modo como concebemos a educação. Essas mudanças já podem ser percebida onde encontramos professores e alunos engajados, motivados e prontos para enfrentar os desafios de hoje e do futuro. O importante aqui é perceber que o aprendizado se dá por meio de ações continuadas, que não se restringem às oportunidades apresentadas pelo professor, dentro de uma sala de aula tradicional. As pessoas estão cada vez mais conectadas e isso permite explorar muitas possibilidades, criar de muitas maneiras, cada um pode desenvolver o seu ritmo de aprendizagem, abrir-se para experiências sempre renovadas.
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Como seria a educação ideal para os próximos 5 (talvez 10) anos?
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Couto - Não me agrada muito pensar em certas visões tão difundidas de alunos enfileirados na frente do computador. Com as tecnologias móveis e cada vez menores as pessoas estão conectadas umas às outras por meio de muitos aparelhos. A tendência é que esses aparelhos se tornem progressivamente quase imperceptíveis. Hoje já falamos numa internet corporal. Cada corpo se conectará a outros corpos. As máquinas, como intermediárias da conexão, poderão desaparecer. Restarão as pessoas conectadas e inventivas. Essa seria a realização mais plena do ciborgue. As escolas tradicionais funcionarão ainda por muito tempo e provavelmente algumas gerações ainda lutarão por inovações pedagógicas sempre aprisionadas por burocracias na gestão escolar. Os avanços serão tímidos, mas já importantes, como alguns já citados. Viveremos ainda um bom tempo entre paredes e redes. Mas também é possível desejar e imaginar que brevemente as paredes poderão ser derrubadas e que a escola será não um lugar, mas a extraordinária rede de conexões das pessoas cada vez mais empenhadas em processos de ensino e aprendizagem colaborativos. Aí a sociedade do conhecimento será de fato construída e vivenciada democraticamente.
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Fonte: Portal Porvir e Todos pela Educação

PF apura denúncia de discriminação racial contra índios em escola do Mato Grosso do Sul

O Ministério Público Federal (MPF) de Mato Grosso do Sul solicitou à Polícia Federal a abertura de um inquérito para apurar crimes de racismo e injúria racial praticados contra Alunos indígenas de uma Escola estadual em Antonio João, na fronteira com o Paraguai. A PF vai começar a ouvir Alunos, funcionários e o diretor da Escola na próxima semana. De acordo com a denúncia, índios guaranis-caiovás da Escola Pantaleão Coelho Xavier teriam sido retirados da sala de aula sob a alegação de que seriam "fedidos, sujos e pouco higiênicos".
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 Segundo Marciano Duarte, capitão da aldeia Campestre, os cerca de seis Alunos, sendo quatro meninas, teriam sido xingados por colegas brancos de sala de aula e por isso teriam sido retirados da sala pelo diretor.
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 - Eles falaram que os Alunos brancos os chamaram de fedidos, sujos e que tinham chulé, e por isso foram retirados da sala pelo diretor para estudar lá fora da sala de aula. O Professor dava aula para os índios lá fora e ao mesmo tempo para os brancos, que ficaram na sala -afirmou Duarte.
O diretor da Escola, Elimar Brum, nega que tenha ocorrido discriminação étnica contra os Alunos índios.
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- Ninguém foi expulso da sala de aula dia 27, nem outro dia, por ninguém e muito menos por mim, pois me encontrava em Campo Grande - afirmou o diretor.
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O caso também foi denunciado ontem na Câmara dos Deputados pelo deputado Amauri Teixeira (PT-BA). De acordo com ele, os estudantes foram expulsos da sala de aula pelo diretor, atendendo a pedidos de Professores e Alunos.
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O diretor da Escola, no entanto, nega a discriminação. Brum disse que naquele dia todos os Alunos estudaram na área externa da Escola, onde existe estrutura para atividades como xadrez. Ele também nega que tenha conversado com uma das lideranças da Aldeia Campestre, de onde são os Alunos que teriam sido discriminados, e que teria confirmado que expulsou os jovens da sala.
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-Jamais falei com o Joel Aquino em lugar algum - disse Brum, referindo-se a informações divulgadas pelas entidades ligadas à questão indígena de que um dos líderes da tribo, Joel Aquino, teria afirmado ter ouvido do próprio diretor que ele retirou os guaranis-caiovás da sala. Brum diz que nunca teve problemas com os índios.
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Os índios guaranis-caiovás têm suas terras constantemente ameaçadas por fazendeiros e posseiros da região. Em novembro de 2011, posseiros mataram o indígena Nisio Gomes, líder da tribo, mas até hoje o corpo não foi encontrado. Para protestar contra a violência, índios dessa tribo chegaram a dizer em documento que corriam risco de morte, com entidades de defesa de direitos humanos interpretando que eles poderiam cometer suicídio coletivo, desmentido depois pelos indígenas. Os guaranis-caiovás têm histórico de suicídios cometidos por índios acuados por ameaças às suas terras.
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 Fonte: O Globo (RJ)

A dura vida dos ateus em um Brasil cada vez mais evangélico

 
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Por Eliane Brum*
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O diálogo aconteceu entre uma jornalista e um taxista na última sexta-feira. Ela entrou no táxi do ponto do Shopping Villa Lobos, em São Paulo, por volta das 19h30. Como estava escuro demais para ler o jornal, como ela sempre faz, puxou conversa com o motorista de táxi, como ela nunca faz. Falaram do trânsito (inevitável em São Paulo) que, naquela sexta-feira chuvosa e às vésperas de um feriadão, contra todos os prognósticos, estava bom. Depois, outro taxista emparelhou o carro na Pedroso de Moraes para pedir um “Bom Ar” emprestado ao colega, porque tinha carregado um passageiro “com cheiro de jaula”. Continuaram, e ela comentou que trabalharia no feriado. Ele perguntou o que ela fazia. “Sou jornalista”, ela disse. E ele: “Eu quero muito melhorar o meu português. Estudei, mas escrevo tudo errado”. Ele era jovem, menos de 30 anos. “O melhor jeito de melhorar o português é lendo”, ela sugeriu. “Eu estou lendo mais agora, já li quatro livros neste ano. Para quem não lia nada...”, ele contou. “O importante é ler o que você gosta”, ela estimulou. “O que eu quero agora é ler a Bíblia”. Foi neste ponto que o diálogo conquistou o direito a seguir com travessões.
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 - Você é evangélico? – ela perguntou.
 - Sou! – ele respondeu, animado.
 - De que igreja?
 - Tenho ido na Novidade de Vida. Mas já fui na Bola de Neve.
- Da Novidade de Vida eu nunca tinha ouvido falar, mas já li matérias sobre a Bola de Neve. É bacana a Novidade de Vida?
- Tou gostando muito. A Bola de Neve também é bem legal. De vez em quando eu vou lá.
- Legal.
- De que religião você é?
- Eu não tenho religião. Sou ateia.
- Deus me livre! Vai lá na Bola de Neve.
- Não, eu não sou religiosa. Sou ateia.
- Deus me livre!
- Engraçado isso. Eu respeito a sua escolha, mas você não respeita a minha.
- (riso nervoso).
- Eu sou uma pessoa decente, honesta, trato as pessoas com respeito, trabalho duro e tento fazer a minha parte para o mundo ser um lugar melhor. Por que eu seria pior por não ter uma fé?
- Por que as boas ações não salvam.
- Não?
- Só Jesus salva. Se você não aceitar Jesus, não será salva.
- Mas eu não quero ser salva.
- Deus me livre!
- Eu não acredito em salvação. Acredito em viver cada dia da melhor forma possível.
- Acho que você é espírita.
- Não, já disse a você. Sou ateia.
- É que Jesus não te pegou ainda. Mas ele vai pegar.
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- Olha, sinceramente, acho difícil que Jesus vá me pegar. Mas sabe o que eu acho curioso? Que eu não queira tirar a sua fé, mas você queira tirar a minha não fé. Eu não acho que você seja pior do que eu por ser evangélico, mas você parece achar que é melhor do que eu porque é evangélico. Não era Jesus que pregava a tolerância?
- É, talvez seja melhor a gente mudar de assunto...
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O taxista estava confuso. A passageira era ateia, mas parecia do bem. Era tranquila, doce e divertida. Mas ele fora doutrinado para acreditar que um ateu é uma espécie de Satanás. Como resolver esse impasse? (Talvez ele tenha lembrado, naquele momento, que o pastor avisara que o diabo assumia formas muito sedutoras para roubar a alma dos crentes. Mas, como não dá para ler pensamentos, só é possível afirmar que o taxista parecia viver um embate interno: ele não conseguia se convencer de que a mulher que agora falava sobre o cartão do banco que tinha perdido era a personificação do mal.)
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Chegaram ao destino depois de mais algumas conversas corriqueiras. Ao se despedir, ela agradeceu a corrida e desejou a ele um bom fim de semana e uma boa noite. Ele retribuiu. E então, não conseguiu conter-se:
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- Veja se aparece lá na igreja! – gritou, quando ela abria a porta.
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- Veja se vira ateu! – ela retribuiu, bem humorada, antes de fechá-la.
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Ainda deu tempo de ouvir uma risada nervosa. 
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A parábola do taxista me faz pensar em como a vida dos ateus poderá ser dura num Brasil cada vez mais evangélico – ou cada vez mais neopentecostal, já que é esta a característica das igrejas evangélicas que mais crescem. O catolicismo – no mundo contemporâneo, bem sublinhado – mantém uma relação de tolerância com o ateísmo. Por várias razões. Entre elas, a de que é possível ser católico – e não praticante. O fato de você não frequentar a igreja nem pagar o dízimo não chama maior atenção no Brasil católico nem condena ninguém ao inferno. Outra razão importante é que o catolicismo está disseminado na cultura, entrelaçado a uma forma de ver o mundo que influencia inclusive os ateus. Ser ateu num país de maioria católica nunca ameaçou a convivência entre os vizinhos. Ou entre taxistas e passageiros.
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Já com os evangélicos neopentecostais, caso das inúmeras igrejas que se multiplicam com nomes cada vez mais imaginativos pelas esquinas das grandes e das pequenas cidades, pelos sertões e pela floresta amazônica, o caso é diferente. E não faço aqui nenhum juízo de valor sobre a fé católica ou a dos neopentecostais. Cada um tem o direito de professar a fé que quiser – assim como a sua não fé. Meu interesse é tentar compreender como essa porção cada vez mais numerosa do país está mudando o modo de ver o mundo e o modo de se relacionar com a cultura. Está mudando a forma de ser brasileiro.
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Por que os ateus são uma ameaça às novas denominações evangélicas? Porque as neopentecostais – e não falo aqui nenhuma novidade – são constituídas no modo capitalista. Regidas, portanto, pelas leis de mercado. Por isso, nessas novas igrejas, não há como ser um evangélico não praticante. É possível, como o taxista exemplifica muito bem, pular de uma para outra, como um consumidor diante de vitrines que tentam seduzi-lo a entrar na loja pelo brilho de suas ofertas. Essa dificuldade de “fidelizar um fiel”, ao gerir a igreja como um modelo de negócio, obriga as neopentecostais a uma disputa de mercado cada vez mais agressiva e também a buscar fatias ainda inexploradas. É preciso que os fiéis estejam dentro das igrejas – e elas estão sempre de portas abertas – para consumir um dos muitos produtos milagrosos ou para serem consumidos por doações em dinheiro ou em espécie. O templo é um shopping da fé, com as vantagens e as desvantagens que isso implica.
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É também por essa razão que a Igreja Católica, que em períodos de sua longa história atraiu fiéis com ossos de santos e passes para o céu, vive hoje o dilema de ser ameaçada pela vulgaridade das relações capitalistas numa fé de mercado. Dilema que procura resolver de uma maneira bastante inteligente, ao manter a salvo a tradição que tem lhe garantido poder e influência há dois mil anos, mas ao mesmo tempo estimular sua versão de mercado, encarnada pelos carismáticos. Como uma espécie de vanguarda, que contém o avanço das tropas “inimigas” lá na frente sem comprometer a integridade do exército que se mantém mais atrás, padres pop star como Marcelo Rossi e movimentos como a Canção Nova têm sido estratégicos para reduzir a sangria de fiéis para as neopentecostais. Não fosse esse tipo de abordagem mais agressiva e possivelmente já existiria uma porção ainda maior de evangélicos no país.
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Tudo indica que a parábola do taxista se tornará cada vez mais frequente nas ruas do Brasil – em novas e ferozes versões. Afinal, não há nada mais ameaçador para o mercado do que quem está fora do mercado por convicção. E quem está fora do mercado da fé? Os ateus. É possível convencer um católico, um espírita ou um umbandista a mudar de religião. Mas é bem mais difícil – quando não impossível – converter um ateu. Para quem não acredita na existência de Deus, qualquer produto religioso, seja ele material, como um travesseiro que cura doenças, ou subjetivo, como o conforto da vida eterna, não tem qualquer apelo. Seria como vender gelo para um esquimó.
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Tenho muitos amigos ateus. E eles me contam que têm evitado se apresentar dessa maneira porque a reação é cada vez mais hostil. Por enquanto, a reação é como a do taxista: “Deus me livre!”. Mas percebem que o cerco se aperta e, a qualquer momento, temem que alguém possa empunhar um punhado de dentes de alho diante deles ou iniciar um exorcismo ali mesmo, no sinal fechado ou na padaria da esquina. Acuados, têm preferido declarar-se “agnósticos”. Com sorte, parte dos crentes pode ficar em dúvida e pensar que é alguma igreja nova.
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Já conhecia a “Bola de Neve” (ou “Bola de Neve Church, para os íntimos”, como diz o seu site), mas nunca tinha ouvido falar da “Novidade de Vida”. Busquei o site da igreja na internet. Na página de abertura, me deparei com uma preleção intitulada: “O perigo da tolerância”. O texto fala sobre as famílias, afirma que Deus não é tolerante e incita os fiéis a não tolerar o que não venha de Deus. Tolerar “coisas erradas” é o mesmo que “criar demônios de estimação”. Entre as muitas frases exemplares, uma se destaca: “Hoje em dia, o mal da sociedade tem sido a Tolerância (em negrito e em maiúscula)”. Deus me livre!, um ateu talvez tenha vontade de dizer. Mas nem esse conforto lhe resta.
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Ainda que o crescimento evangélico no Brasil venha sendo investigado tanto pela academia como pelo jornalismo, é pouco para a profundidade das mudanças que tem trazido à vida cotidiana do país. As transformações no modo de ser brasileiro talvez sejam maiores do que possa parecer à primeira vista. Talvez estejam alterando o “homem cordial” – não no sentido estrito conferido por Sérgio Buarque de Holanda, mas no sentido atribuído pelo senso comum. Me arriscaria a dizer que a liberdade de credo – e, portanto, também de não credo – determinada pela Constituição está sendo solapada na prática do dia a dia. Não deixa de ser curioso que, no século XXI, ser ateu volte a ter um conteúdo revolucionário. Mas, depois que Sarah Sheeva, uma das filhas de Pepeu Gomes e Baby do Brasil, passou a pastorear mulheres virgens – ou com vontade de voltar a ser – em busca de príncipes encantados, na “Igreja Celular Internacional”, nada mais me surpreende.
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Se Deus existe, que nos livre de sermos obrigados a acreditar nele.
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* jornalista e autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê. Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo). E codiretora de dois documentários: Uma História Severina e Gretchen Filme Estrada.
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Fonte: Revista Época

terça-feira, 26 de março de 2013

Diretora agredida por aluno desabafa em rede social

RIO — O encontro entre um adolescente rebelde, aluno de um projeto para alunos com defasagem idade-série, e uma profissional tida como durona terminou em agressão, na última quinta-feira, na Escola Municipal João Kopke, em Piedade, na Zona Norte. A diretora Leila Soares foi empurrada e recebeu um soco no rosto após repreender um estudante de 15 anos que brincava de brigar no pátio. Leila publicou um desabafo sobre a agressão sofrida em sua página no Facebook.
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“O agressor sai de cabeça erguida, olhando para trás e rindo. Não só do agredido, mas de cada um de nós”, diz trecho do depoimento da diretora.
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— Aqui do lado de fora sempre tem briga, mas agressão ao diretor foi a primeira vez — disse Miguel Maciel, de 12 anos, aluno do 7º ano, mesma série do agressor.
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Segundo os alunos, Leila flagrou o aluno brigando de lutar com um amigo. Ela mandou que eles parassem e teria sido empurrada pelo aluno. Leila avisou que iria ligar para a mãe do jovem e para a Ronda Escolar, da Guarda Municipal. Diante da ameaça, o rapaz teria dado um soco no rosto da diretora. A diretora e o aluno foram para a 24ª DP (Piedade), onde Leila contou que o estudante, após tê-la socado, saiu rindo pelo corredor. Como estava com muita dor no ouvido, ela foi encaminhada ao Hospital Salgado Filho. Depois ela foi ao Instituto Médico-Legal fazer exame de corpo delito, que não apontou lesão externa. Mas, como ela continuou sentido dores, será feito um exame complementar.
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Segundo a delegada Cristiane Carvalho, Leila não apresentava hematomas, mas estava muito abalada. O estudante, morador do Morro do Adeus, foi autuado por fato análogo a lesão corporal. A mãe do adolescente se comprometeu por escrito a levá-lo à Vara da Infância e da Juventude, onde ele deverá ser punido com uma medida socioeducativa, que pode ir da advertência verbal à internação compulsória.
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— A mãe estava irritada e disse que não iria mais procurar colégio para ele, dando a entender que ele já tinha tido problemas antes. Ele admitiu na delegacia ter dado um soco na diretora e não demonstrou arrependimento — disse a delegada.
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Desde 2003, 53 agressões
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Em nota, a Secretaria municipal de Educação disse que o aluno foi transferido para outra escola e que aplicou o Regimento Escolar Básico do Ensino Fundamental. E disse ainda que a diretora, que está na escola desde 2009, ficará em licença por dez dias. A secretária de Educação, Claudia Costin, classificou o fato de “triste e lamentável”. Segundo dados da secretaria, desde 2003, foram registradas 53 agressões — verbais e físicas — de alunos a professores que resultaram em sindicâncias.
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Wiria Alcântara, diretora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Ensino, observa que agressões dentro de escola têm sido cada vez mais rotineiras:
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— As crianças estão muito violentas, refletindo o que acontece na sociedade. E as escolas não estão preparadas.
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Depoimento da diretora
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“Quantas vezes nos indignamos quando sabemos de casos de agressões a colegas, profissionais como nós. Mas não nos indignamos o suficiente por acharmos que ainda está muito distante...
De repente, chega a nós.
O corpo dói. Mas a dor vai passando com gelo, analgésico, remédios...
O coração, este fica tão apertado que parece que sobra espaço em torno dele de tão pequeno. Este espaço é preenchido com dor. Que não tem remédio.
(...) Sofremos nós, nossos parentes, nossos amigos, nossos companheiros.
Sofre uma sociedade inteira que vive temerosa porque não temos quem nos proteja.
O agressor sai de cabeça erguida, olhando para trás e rindo. Não só do agredido, mas de cada um de nós. Ri do erro...
Ri da sociedade que fica refém enquanto ele continuará empurrando, xingando, ameaçando, chutando, socando...
(...) Quem somos nós, Educadores? Somos aqueles de quem ri o que sai impune, olhando para trás e rindo.
Serei só mais uma? Ou a última?”
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Educação e política


Na hora de fazer não gritou

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Por Andrea Dip, de A Pública | Yahoo! Notícias
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Eu tive meu filho em um esquema conhecido por profissionais da área da saúde como o limbo do parto: um hospital precário, porém maquiado para parecer mais atrativo para a classe média, que atende a muitos convênios baratos, por isso está sempre lotado, não é gratuito, mas o atendimento lembra o pior do SUS, porém sem os profissionais capacitados dos melhores hospitais públicos nem a infraestrutura dos hospitais caros particulares para emergências reais. Durante o pré-natal, fui atendida por plantonistas sem nome. Também não me lembro do rosto de nenhum deles. O meu nome variava conforme o número escrito no papel de senha da fila de espera: um dia eu era 234, outro 525. Até que, durante um desses “atendimentos” a médica resolveu fazer um descolamento de membrana, através de um exame doloroso de toque, para acelerar meu parto, porque minha barriga “já estava muito grande”. Saí do consultório com muita dor e na mesma noite, em casa, minha bolsa rompeu. Fui para o tal hospital do convênio já em trabalho de parto.
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Quando cheguei, me instalaram em uma cadeira de plástico da recepção e informaram meus acompanhantes que eu deveria procurar outro hospital porque aquele estava lotado. Lembro que fazia muito frio e eu estava molhada e gelada, pois minha bolsa continuava a vazar. Fiquei muito doente por causa disso. Minha mãe ameaçou ligar para o advogado, disse que processaria o hospital e que eu não sairia de lá em estágio tão avançado do trabalho de parto. Meu pai quis bater no homem da recepção. Enquanto isso, minhas contrações aumentavam. Antes de ser finalmente internada, passei por um exame de toque coletivo, feito por um médico e seus estudantes, para verificar minha dilatação. “Já dá para ver o cabelo do bebê, quer ver pai?” mostrava o médico para seus alunos e para o pai do meu filho. Consigo me lembrar de poucas situações em que fiquei tão constrangida na vida. Cerca de uma hora depois, me colocaram em uma sala com várias mulheres. Quando uma gritava, a enfermeira dizia: “pare de gritar, você está incomodando as outras mães, não faça escândalo”. Se eu posso considerar que tive alguma sorte neste momento, foi o de terem me esquecido no fim da sala, pois não me colocaram o soro com ocitocina sintética que acelera o parto e aumenta as contrações, intensificando muito a dor. Hoje eu sei que se tivessem feito, provavelmente eu teria implorado por uma cesariana, como a grande maioria das mulheres.
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Não tive direito a acompanhante. O pai do meu filho entrava na sala de vez em quando, mas não podia ficar muito para preservar a privacidade das outras mulheres. A moça que gritava pariu no corredor. Até que uma enfermeira lembrou de mim e me mandou fazer força. Quando eu estava quase dando a luz, ela gritou: “pára!” e me levou para o centro cirúrgico. Lá me deram uma combinação de anestesia peridural com raquidiana, sem me perguntar se eu precisava ou gostaria de ser anestesiada, me deitaram, fizeram uma episotomia (corte na vagina) sem meu consentimento – procedimento desnecessário na grande maioria dos casos, segundo pesquisas da medicina moderna – empurraram a minha barriga e puxaram meu bebê em um parto “normal”. Achei que teria meu filho nos braços, queria ver a carinha dele, mas me mostraram de longe e antes que eu pudesse esticar a mão para tocá-lo, levaram-no para longe de mim. Já no quarto, tentei por três vezes levantar para ir até o berçario e três vezes desmaiei por causa da anestesia. “Descanse um pouco mãezinha” diziam as enfermeiras “Sossega!” Eu não queria descansar, só estaria sossegada com meu filho junto de mim! O fotógrafo do hospital (que eu nem sabia que estava no meu parto) veio nos vender a primeira imagem do bebê, já limpo, vestido e penteado. Foi assim que eu vi pela primeira vez o rostinho dele, que só chegou para mamar cerca de 4 horas depois.
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Faz exatamente nove anos que tudo isso aconteceu e hoje é ainda mais doloroso relembrar porque descobri que o que vivi não foi uma fatalidade, ou um pesadelo: eu, como uma a cada quatro mulheres brasileiras, fui vítima de violência obstétrica.
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Uma em cada quatro mulheres sofre violência no parto
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O conceito internacional de violência obstétrica define qualquer ato ou intervenção direcionado à mulher grávida, parturiente ou puérpera (que deu à luz recentemente), ou ao seu bebê, praticado sem o consentimento explícito e informado da mulher e/ou em desrespeito à sua autonomia, integridade física e mental, aos seus sentimentos, opções e preferências. A pesquisa “Mulheres brasileiras e Gênero nos espaços público e privado”, divulgada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, mostrou que uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto. As mais comuns, segundo o estudo, são gritos, procedimentos dolorosos sem consentimento ou informação, falta de analgesia e até negligência. Mas há outros tipos, diretos ou sutis, como explica a obstetriz e ativista pelo parto humanizado Ana Cristina Duarte: “impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua preferência, tratar uma mulher em trabalho de parto de forma agressiva, não empática, grosseira, zombeteira, ou de qualquer forma que a faça se sentir mal pelo tratamento recebido, tratar a mulher de forma inferior, dando-lhe comandos e nomes infantilizados e diminutivos, submeter a mulher a procedimentos dolorosos desnecessários ou humilhantes, como lavagem intestinal, raspagem de pelos pubianos, posição ginecológica com portas abertas, submeter a mulher a mais de um exame de toque, especialmente por mais de um profissional, dar hormônios para tornar o parto mais rápido, fazer episiotomia sem consentimento”.
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“A lista é imensa e muitas nem sabem que podem chamar isso de violência. Se você perguntar se as mulheres já passaram por ao menos uma destas situações, provavelmente chegará a 100% dos partos no Brasil” diz Ana Cristina, que faz parte de um grupo cada vez maior de mulheres que, principalmente através de blogs e redes sociais, têm lutado para denunciar a violência obstétrica tão rotineira e banalizada nos aparelhos de saúde.
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“Algumas mulheres até entendem como violência, mas a palavra é mais associada a violência urbana, fisica, sexual” diz a psicóloga Janaína Marques de Aguiar, autora da tese “Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de acolhimento como uma questão de gênero” que entrevistou puérperas (com até três meses de parto) e profissionais de maternidades públicas de São Paulo. “Quando a gente fala em violência na saúde, isso fica dificil de ser visualizado. Porque há um senso comum de que as mulheres podem ser maltratadas, principalmente em maternidades públicas” acredita. E dá alguns exemplos: “Duas profissionais relataram, uma médica e uma enfermeira, que um colega na hora de fazer um exame de toque em uma paciente, fazia brincadeiras como ‘duvido que você reclame do seu marido’ e ‘Não está gostoso?”
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Em março de 2012, um grupo de blogueiras colocou no ar um teste de violência obstétrica, que foi respondido de forma voluntária por duas mil mulheres e confirmou os resultados da pesquisa da Fundação Perseu Abramo. “Apesar de não terem valor científico, os resultados mostraram que 51% das mulheres estava insatisfeita com seu parto e apenas 45% delas disse ter sido esclarecida sobre os todos os procedimentos obstétricos praticados em seus corpos” lembra a jornalista mestre em ciências Ana Carolina Franzon, uma das coordenadoras da pesquisa. “Nós quisemos mostrar para outras mulheres que aquilo que elas tinham como desconforto do parto era, na verdade, a violação de seus direitos. Hoje nós somos protagonistas das nossas vidas e quando chega no momento do parto, perdemos a condição de sujeito” opina Ana Carolina.
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Desse teste nasceu o documentário “Violência Obstétrica – A voz das brasileiras” (que você pode assistir no fim da matéria) com depoimentos gravados pelas próprias mulheres sobre os mais variados tipos de humilhação e procedimentos invasivos vividos por elas no momento do parto. Uma das participantes diz que os profissionais fizeram comentários “sobre o cheiro de churrasco da barriga durante a cesárea”. Mas talvez o relato mais triste seja o da mineira Ana Paula, que após planejar um parto natural, foi ao hospital com uma complicação e, sem qualquer explicação por parte dos profissionais, foi anestesiada, amarrada na cama, mesmo sob protestos, submetida a episiotomia, separada da filha, largada por várias horas em uma sala sem o marido e sem informações. Seu bebê não resistiu e faleceu por causas obscuras. Ana Paula denunciou o falecimento de sua filha ao Ministério da Saúde pedindo uma investigação e em paralelo denunciou a equipe, convênio médico e o hospital que a atenderam ao CRM de Belo Horizonte. Diante do silêncio do Conselho, que abriu uma sindicância em novembro de 2012 e não forneceu mais informações, a advogada de Ana Paula, Gabriella Sallit, entrou com uma ação na justiça.
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“O processo da Ana Paula foi o primeiro que trata a violência obstetrica nestes termos. Não é um processo contra erro médico, ou pelo fim de uma conduta médica. É sobre o procedimento, a violência no tratar. É um marco porque é o primeiro no Brasil” explica a advogada. “É uma ação de indenização por dano moral que lida com atos notoriamente reconhecidos como violência obstétrica. Tudo isso tem respaldo na nossa legislação”, diz.
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Para prevenir a violência no parto, infelizmente comum, a advogada aconselha que as mulheres escrevam uma carta de intenções com os procedimentos que aceitam e não aceitam durante a internação. “Faça a equipe assinar assim que chegar ao hospital. E antes de sair do hospital, requisite seu prontuário e o do bebê. É um direito que muitas mulheres desconhecem. Isso é mais importante do que a mala da maternidade, fraldas e roupas. Estamos falando de algo que pode te marcar para o resto da vida”.
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Direitos legais desprespeitados nas materinadades
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Além do nosso código penal e dos vários tratados internacionais que regulam de forma geral os direitos humanos e direitos das mulheres em especial, a portaria 569 de 2000 do Ministério da Saúde, que institui o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento do SUS,  diz: “toda gestante tem direito a acesso a atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério” e “toda gestante tem direito à assistência ao parto e ao puerpério e que esta seja realizada de forma humanizada e segura” e a LEI Nº 11.108, DE 7 DE ABRIL DE 2005 garante às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato nos hospitais do SUS. Mas dificilmente essas normas são seguidas, como explica a pesquisadora Simone Diniz (leia entrevista na íntegra), formada em Medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo, que participou da pesquisa “Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento”, grande e minucioso panorama realizado pela Fiocruz em parceria com o Ministério da Saúde  – ainda sem data para lançamento.
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“O parto é muito medicalizado e muito marcado pela hierarquia social da mulher no Brasil. Para algumas questões de saúde, como para quem tem HIV, precisa de um antiretroviral ou de uma cirurgia, você tem o mesmo procedimento público e privado, existe um padrão do que é considerado como aceitável. Para o parto não. A assistência ao parto para as mulher de menor renda e escolaridade e para aquelas que o IBGE chama de pardas e negras, é muito diferente das mulheres escolarizadas, que estão no setor privado, pagantes. Normalmente as mulheres de renda mais baixa têm uma assistência que não dá nenhum direito a escolha sobre procedimentos. Os serviços atendem essas mulheres para um parto vaginal com várias intervenções que não correspondem ao padrão ouro da assistência, como ficar sem acompanhante e serem submetidas a procedimentos invasivos que não deveriam ser usados a não ser com extrema cautela, como o descolamento das membranas, que é muito agressivo, doloroso, aumenta o risco de lesão de colo e infecções, a  ruptura da bolsa, como aceleração do parto. É uma ideia de produtividade que parte do pressuposto que o parto é um evento desagrádavel, degradante, humilhante, repulsivo, sujo e que portanto aquilo deve ser encurtado. No setor público é pior, mas é preciso levar em conta que no setor privado, 70% das mulheres nem entra em trabalho de parto, vão direto para cesarianas eletivas”.
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Cesariana desnecessária: mais uma violência contra a mulher
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A imposição de uma cesariana desnecessária também tem sido vista pelos pesquisadores e pelas próprias mulheres como uma forma de violência porque além de um procedimento invasivo, oferece mais riscos a curto e longo prazo para a mãe e o bebê. “Hoje nós sabemos que existe muito mais segurança nos partos fisiológicos do que nas cesáreas. Não tenha dúvidas de que elas são um recurso importante que salva vidas quando realmente necessárias. Mas no parto fisiológico o bebê tem menor chance de ir para uma UTI neonatal, de ter problemas respiratórios, metabólicos, infecções, tem o melhor prognóstico de todos” explica Simone Diniz. “O bebê nasce estéril e a medida que ele entra em contato com as bactérias da vagina durante o parto, é colonizado por elas e isso fará com que ele desenvolva um sistema imune muito mais saudável do que se nascer de cesárea e for contaminado por bactérias hospitalares. Esse é conhecimento recente, mas já sairam pesquisas sobre risco diferenciado de asma, diabete, obesidade e uma série de doencas crônicas”.
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Apesar do índice máximo de cesarianas aconselhado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ser o de 15%, o Brasil lidera o ranking na América Latina, segundo a Unicef, com mais de 50% de nascimentos através da cirurgia. O índice sobe consideravelmente quando se olha apenas para os hospitais particulares. Em 2010, 81,83% das crianças que nasceram via convênios médicos, vieram ao mundo por cesarianas. Em 2011, o número aumentou para 83,8%, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Há ainda hospitais particulares como o Santa Joana, em São Paulo, que no primeiro trimestre de 2009 apresentou taxa de 93,18% cesarianas, segundo o  Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC). Questionada a respeito, a ANS declarou por meio de assessoria de imprensa que “vem trabalhando, desde 2005, para a diminuição do número de partos cesáreos, mas o problema é bastante complexo e multifatorial, envolvendo a organização do trabalho do médico, dos hospitais e a própria cultura e informação da população brasileira”. Disse ainda que “não existe limite para a realização de partos cesáreos” e que isso depende da indicação médica.
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No filme “O Renascimento do Parto”, ainda sem data de estreia no Brasil, mas que já possui uma versão resumida no Youtube, o pediatra Ricardo Chaves questiona: “Eu quero saber o seguinte: nós combinamos com o bebê que ele vai nascer sexta-feira, quatro da tarde? Ele respondeu que tem condição de nascer?”
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Nos consultórios, a prática é assustar a mulher
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Os profissionais têm opiniões diferentes a respeito do grande volume de cesarianas. Para a médica obstetra representante do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) Silvana Morandini, “a medicina defensiva está indicando mais a cesárea. Se o bebê tem circular de cordão no pescoço, se é um feto muito grande, se tem placenta marginal, qualquer diagnóstico que possa dar problema, aumenta a prescrição”. Ela chama isso de “conduta defensiva”, por “medo de dar errado”. Silvana também acredita que “o grande número de cesáreas é cultural. A mulher brasileira tem a ideia de que com o parto vaginal vai ficar com o perineo mais flácido”.
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Já o obstetra especialista em parto humanizado Jorge Kuhn acredita que “a grande culpada pelo boom de cesarianas foi a mudança do modelo obstétrico. Antigamente o modelo era centrado na obstetriz. O médico era chamado nos casos de complicação. A transformação do parto domiciliar em hospitalar, na década de 1970, aumentou a incidência de cesarianas. É lógico que esse índice também cresceu por outras razões,  como gravidez múltipla, idade avançada e riscos reais ”.
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domingo, 24 de março de 2013

ENEM


Brasil


'Trote universitário não é tradição, é relação de poder', diz especialista

Apesar das instituições de ensino superior incentivarem ações de entretenimento, humanitárias ou pedagógicas para receber novos alunos, caso de trotes abusivos carregados de preconceito ou violência continuam sendo registrados em todo o país nesta época do ano. Muitas práticas se repetem sob alegação de que são tradicionais e fazem parte da história de determinadas faculdades. Estudiosos do trote universitário ouvidos pelo G1 afirmam que é preciso acabar com esta prática.
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“Não tem nada a ver com tradição, a questão do trote é relação de poder. Um grupo político disputa o controle da situação. O menino que vai para a rua pedir dinheiro [nas brincadeiras de pedágio] é o soldado raso em uma hierarquia que tem general”, afirma Antônio Ribeiro de Almeida Júnior, professor do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura (Esalq). O especialista é autor de três livros e estuda o tema desde 2001. "Ao longo do ano vejo o aumento da violência, e não da consciência."
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Vários episódios de violência física ou psicológica foram registrados nas últimas semanas. Em Minas Gerais, uma caloura foi fotografada pintada de preto com as mãos acorrentadas e uma placa de identificação com o nome "Chica da Silva." No Rio Grande do Sul, os 'bixos' tiveram de segurar uma cabeça de porco e tomaram um banho com líquido que continha vísceras de peixe (confira outros casos na tabela abaixo).
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As atléticas e centro acadêmicos das universidades costumam rebater as críticas dizendo que as atividades são ações isoladas, ocorrem independentemente das instituições e a participação dos estudantes é voluntária. Muitas instituições até disponibilizam telefones que funcionam como 'disque trote' para denunciar casos de coação e constrangimento.
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VEJA OS CASOS MAIS RECENTES DE TROTES EM UNIVERSIDADES BRASILEIRAS
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UFMG: suspeita de ato racista

A reitoria da UFMG investiga o trote dos estudantes de direito que tiraram fotos na qual uma jovem aparece pintada de preto e tem uma placa de papel pendurada no pescoço com os dizeres “caloura Chica da Silva” e outra com alunos fazendo saudação nazista ao lado de um rapaz amarrado a uma pilastra. Veja reportagem
UEL: reitora flagra trote
Na UEL, a reitora mandou abrir sindicância quando viu que os novos alunos foram levados para fora do campus para outras brincadeiras. Ela presenciou a cena pela sala do seu gabinete. Um jovem diz que foi trancado na sala e obrigado a ingerir bebida alcóolica.
UFRGS: cabeça de porco

Calouros do curso de engenharia civil tiveram de segurar uma cabeça de porco com as mãos e ainda foram atingidos por um líquido que continha vísceras de peixe, ovos vencidos e farinha. Os estudantes dizem que não houve abuso e a participação foi voluntária. A direção da faculdade vai investigar. Veja reportagem
UEG: tinta nos olhos e bebida

Um calouro de agronomia da Universidade Estadual de Goiás (UEG) foi atingido no olho por tinta. "Cheguei a pensar que ia perder a visão", afirmou. "Os veteranos nos obrigam a ingerir bebida alcoólica, rasgam sua roupa, tem agressão verbal." Uma aluna que teria jogado tinta pode ser expulsa. Veja reportagem
USP: alunos pelados
Universitários da USP de São Carlos (SP) ficaram pelados e hostilizaram cerca de 40 integrantes de um grupo feminista que protestava contra a realização de um desfile de calouras, conhecido como “Miss Bixete”, em uma festa dentro do campus. A USP abriu processo administrativo e pode expulsar os envolvidos. Veja reportagem
Rio Verde: corte na nunca

Estudante do curso de agronomia da Universidade de Rio Verde (GO) foi parar em um hospital após o trote realizada na casa de um dos alunos. Na festa para receber os novos alunos, um veterano foi cortar o cabelo do calouro com um canivete, mas acabou ferindo a nuca dele. Veja a reportagem
Unesp: roubo no cemitério
Dois estudantes da Universidade Estadual Paulista (Unesp) foram presos em flagrante pela Guarda Municipal de Araraquara (SP) no dia 27 de janeiro quando furtavam um vaso de um túmulo de um cemitério no centro da cidade. Segundo a Polícia Civil, os jovens teriam praticado a ação por ordem dos veteranos, como parte de um trote. Veja a reportagem
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O último livro de Almeida Júnior sobre o tema foi, na verdade, sua tese de livre docência chamada de “Anatomia do Trote Universitário”. Para o trabalho, ele ouviu relatos de mais de 400 alunos e teve acesso a mais de 2.000 questionários. O especialista diz que o trote não é um ritual de integração, pois reúne no máximo 20% dos alunos, por isso o receio que os novos estudantes têm de que ficarão excluídos, caso não participem das atividades, é uma bobagem.
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“Quando você conhece alguém novo, não precisa pintá-lo para receber na sua casa. A ideia de alegria do trote é falsa, é um processo de exclusão. É um teste, por isso precisa ser violento”, diz o professor. O especialista vê como problemática até mesmo a prática do corte do cabelo dos meninos, que é aceita pela maioria dos alunos. “Conheço relatos de casos de agressão que ocorrem durante o corte. 80% dos alunos que participam do trote dizem que passaram por pelo menos alguma coisa de que não gostaram ou se ofenderam.”
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“Uma única morte em uma universidade é suficiente para justificar a inibição total. A preservação da vida humana tem de ser o mote”. Fábio Romeu Canton Filho, presidente da comissão contra o trote violento da OAB.
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Almeida Júnior é formado em engenharia agronômica pela Esalq e diz que ele cortou o próprio cabelo quando passou no vestibular. “O trote é processo progressivo, ninguém espanta o outro num primeiro contato. Ocorre um processo crescente, primeiro a pessoa corta seu cabelo, depois manda você se ajoelhar e no final se não obedecê-la, te bate.”
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Bullying na universidade
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"Se discute muito o bullying no ensino médio, mas o trote é o fenômeno que sustenta o bullying na universidade. Quando um brinca e outro se sente mal, não é mais brincadeira. O sistema é enraizado como rito de passagem, mas não é porque os alunos nunca se igualam, são reprimidos pelos que estão um ano na frente", afirma a socióloga e professora de saúde coletiva da Faculdade de Medicina do ABC, Silmara Conchão.
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Ao lado dos professores Marco Akerman, Roberta Cristina Boaretto e um grupo de 13 alunos, Silmara lançou o livro “Bulindo com a universidade: um estudo sobre o trote na Medicina", em novembro do ano passado. A publicação traz depoimentos de alunos do 2º ao 5º ano da Faculdade de Medicina do ABC que sofreram com trotes. "O livro descortina uma realidade muito velada. Hoje a recepção [na Faculdade de Medicina do ABC] tem caráter de acolhimento. Mas ainda vai levar anos para desorganizar esta cultura do trote, pois há pressão e discriminação com aquele que não participa."
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Rapaz atravessa Avenida Paulista, em São Paulo (SP), só de cueca e com uma máscara de crocodilo na cabeça. Ele participava de trote de calouros da Fundação Getúlio Vargas.  (Foto:  J. Duran Machfee/Futura Press/Estadão Conteúdo).
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Rapaz atravessa Avenida Paulista, em São Paulo (SP), só de cueca e com uma máscara de crocodilo na cabeça. Ele participava de trote de calouros de administração da Fundação Getúlio Vargas. A brincadeira faz parte de uma gincana onde calouros tem de executar várias tarefas, como assistir a uma aula na FEA-USP com a camisa da FGV. Segundo o diretório acadêmico, o calouro foi voluntário na brincadeira. A FGV-SP disse que "incentiva seus alunos a promover o trote solidário como forma de integração de novos alunos e não endossa iniciativas como esta" (Foto: J. Duran Machfee/Futura Press/Estadão Conteúdo)
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É preciso desconectar as ações das palavras ‘trote’, ‘calouro’ e ‘veterano’. O papel social da universidade não é a distribuição de cesta básica, é produzir pesquisa, conhecimento e estender isso para que a comunidade receba o produto do investimento." Antônio Ribeiro de Almeida Júnior, professor da Esalq.
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'Inibição total'
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O presidente da comissão contra o trote violento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Fábio Romeu Canton Filho, afirma que a fundamentação de que o trote é uma tradição ou rito de passagem é muito frágil. "Uma única morte em uma universidade é suficiente para justificar a inibição total. A preservação da vida humana tem de ser o mote."
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Canton Filho se refere a Edison Tsung-Chi Hsueh, aprovado no curso de medicina da Universidade de São Paulo (USP), em 1999, que morreu afogado em uma piscina durante o trote. Ele tinha 22 anos. Desde então os novos alunos da medicina da USP são recebidos com palestras, tour pelo campus e ações educativas que também envolvem os pais. "É muito mais saudável fazer uma festa com os diretórios acadêmicos que sabem realizar recepções e integrações. O pensamento de 'vamos manter a tradição' está atrasado", afirma o advogado. Segundo ele, muitos casos de trotes podem ser alvo de ações de natureza civil e até criminal, previstos pela legislação brasileira.
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Entre as ações do trote solidário, alunos visitam asilos (Foto: Wellington Cordeiro/FMC)
.Entre as ações do trote solidário, alunos visitam
asilos (Foto: Wellington Cordeiro/FMC)
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Trote solidário
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Nem mesmo os trotes solidários são consenso entre os especialistas. Canton admite ações que preveem trabalho voluntário, arrecadação de alimentação e tenham outros fins sociais, desde que tenham aceitação do estudante. Almeida Júnior afirma que se a atividade tiver a denominação "trote" é problemática, até mesmo as que se propõem fazer atividades solidárias. "É preciso desconectar as ações das palavras 'trote', 'calouro' e 'veterano'. O papel social da universidade não é a distribuição de cesta básica, é produzir pesquisa, conhecimento e estender isso para que a comunidade receba o produto do investimento."
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O fim dos trotes depende de ações mais enérgicas das universidades, segundo o professor. Almeida Júnior, no entanto, não vê vontade das instituições. "As universidades não estão interessadas em resolver a questão e disfarçam propondo trotes solidários e culturais. Existe muita maquiagem. Se a universidade quiser, tem poder e instrumentos para acabar com o trote."
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sábado, 23 de março de 2013

Alunos da rede estadual tomam ruas do Centro

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Estudantes de oito colégios da rede estadual tomaram as ruas do Centro em protesto na manhã desta sexta-feira (22). Entre os participantes do movimento unificado pela melhoria nas condições de ensino estavam alunos das escolas estaduais Batista de Oliveira, Delfim Moreira (Grupo Central), Duarte de Abreu, Duque de Caxias, Estevão de Oliveira, Fernando Lobo, Instituto Estadual de Educação (Escola Normal) e Juscelino Kubitschek (JK). O ato também contou com apoio de movimentos estudantis e sindicais, além de alguns pais e professores, provocando retenções nas principais vias da região central. Quem se deparou com o trajeto da passeata se surpreendeu com a quantidade de gente e precisou aguardar para prosseguir. "Acho muito bom fazerem isso, porque é um absurdo vermos a degradação desses prédios históricos das escolas estaduais. Estudei no Grupo Central e tenho muito amor por este espaço", disse uma aposentada que passava na hora do protesto. Já alguns motoristas ficaram impacientes com as interrupções no tráfego e preferiram cortar caminho, desviando do ato.
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Depois de se concentrarem em frente à Escola Normal, na esquina da Rua Espírito Santo com a Avenida Getúlio Vargas, os manifestantes tomaram a pista de subida da Avenida Itamar Franco até o cruzamento com a Avenida Rio Branco. Na via, eles realizaram paradas em frente à Superintendência Regional de Ensino (SRE) e ao colégio Delfim Moreira. O movimento provocou retenções no trânsito da região central, devido à aglomeração de manifestantes. Conforme estimativa de policiais lotados no Pelotão de Trânsito da Polícia Militar (PPTran), cerca de 200 pessoas participaram do protesto. Já o grupo de estudantes que liderou a ação acredita que pelo menos 300 estudantes acompanharam a passeata. Policiais militares seguiram o percurso para garantir a segurança e para que o fluxo de veículos não fosse totalmente interrompido. Já no final da manhã, na dispersão do ato iniciado às 7h, agentes de trânsito também atuaram nos principais cruzamentos.
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Os manifestantes ainda tomaram por alguns minutos as escadarias da Câmara Municipal, no Parque Halfeld, mas depois saíram novamente caminhando pelas ruas do Centro até chegarem à esquina da Avenida Rio Branco com a Rua Espírito Santo, onde se localiza a sede da SRE, no edifício Alber Ganimi. Os alunos chegaram a montar uma comissão com integrantes de todas as escolas, com a intenção de se reunirem com representantes da superintendência. No entanto, desistiram de aguardar em frente ao prédio e seguiram novamente em protesto até o Conservatório Estadual de Música, localizado na Rua Batista de Oliveira.
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Conforme o presidente do grêmio estudantil do Instituto Estadual de Educação, Juliano Rezende, 17 anos, o movimento foi organizado pelos próprios alunos e tem a intenção de cobrar do Governo de Minas e da SRE medidas urgentes para melhorar o ensino na rede pública do estado. No início do mês, outros protestos foram realizados questionando a falta de professores e a demora em solucionar falhas na infraestrutura de algumas instituições de ensino, o que foi denunciado em uma série de reportagens da Tribuna. "Esses meninos se mobilizaram para lutar por uma educação de qualidade e contra o sucateamento das escolas. Eles não querem que se repita nos próximos anos a demora na contratação de professores, já que, até agora, temos quadros incompletos", disse a professora de história Ângela de Paula. Pai de uma aluna da escola Duque de Caxias, Francisco Martins, 56, acompanhou o protesto. "Vivemos em um país onde há liberdade para manifestar, mas faltam movimentos como este, para denunciar os problemas e cobrar a aplicação do dinheiro público."
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Vereadores se mobilizam para acompanhar a situação
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Depois de os alunos tomarem a escadaria da Câmara Municipal no protesto da manhã de sexta, o assunto foi alvo de comentários dos vereadores na reunião que ocorreu em seguida no plenário. Depois da pauta, a Comissão de Educação da Casa, integrada pelos vereadores Roberto Cupolillo (Betão-PT), Ana Rossignoli (PDT) e Jucélio Maria (PSB), informou que pretende realizar encontro com os representantes da Superintendência Regional de Ensino (SRE) e da Secretaria de Educação municipal no próximo dia 8 de abril. Uma audiência pública também foi solicitada por Luiz Otávio Coelho (Pardal - PTC) para discutir o tema no dia 17. Ana Rossignoli (PDT) disse ainda que vai entregar representação a ser encaminhada para SRE, Secretaria de Estado de Educação e Governo de Minas cobrando solução para a questão, que envolve falhas na infraestrutura, atraso na contratação de docentes, falta de mobiliário e turmas que estariam com mais alunos do que a capacidade física das salas.
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A assessoria de imprensa da Secretaria Estado de Educação (SEE) informa que a superintendente Belkis Furtado recebeu um grupo de alunos na manhã desta sexta, para ouvir as demandas. À tarde, foi realizada reunião com os diretores das escolas para repassar os questionamentos, que serão apurados. Caso as denúncias tenham procedência, a pasta diz que tomará as providências cabíveis. Em relação à falta de professores, a assessoria informou que um problema ocorrido no início do período letivo no sistema de contratação atrasou algumas designações, tendo sido corrigido rapidamente, mas defende que as nomeações de concurso público realizado foram iniciadas e que, até julho, 150 vagas serão preenchidas na cidade, solucionando este problema.
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Quanto às falhas estruturais nas escolas Delfim Moreira e Duarte de Abreu, que envolvem desde portas e janelas quebradas, infiltrações, goteiras, falta de mobiliário e falhas no assoalho (que cedeu na Delfim Moreira, provocando acidentes com aluno e professor), a SEE disse que, como medida emergencial, autorizou o aluguel de um imóvel para transferência dos alunos da Delfim Moreira até que as obras sejam realizadas no prédio atual, que é tombado pelo Município. O projeto de restauro e reforma orçado em R$ 200 mil está em fase de elaboração, e um espaço para alugar já estaria em análise. Já na Duarte de Abreu, a secretaria afirma que, desde o ano passado, recursos da ordem de R$170 mil foram empregados na reforma do telhado e do banheiro dos alunos. Além disso, no fim de 2012, outros R$ 160 mil teriam sido liberados para obras gerais, que estão em fase de licitação. As escolas Batista de Oliveira, Duque de Caxias, Normal e JK também serão contempladas com reforma. No caso da Normal, cerca de R$ 300 mil já foram liberados para realização do projeto.
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Sobre as denúncias de salas com mais alunos do que a capacidade física, a SEE diz que os diretores não confirmam a situação, já que o espaço é analisado e há lei que restringe o número máximo por etapa educacional. No caso da Escola Normal, foi verificada a possibilidade de redistribuir as turmas do terceiro ano do ensino médio, e houve ampliação para sete classes, sendo que, nas salas menores, foram colocados cerca de 30 alunos, e as maiores estão com 38.
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Fonte: Tribuna de Minas (JF- MG)

ENEMIOJO


Menina sofre preconceito em escola de BH por ter diabetes

Ao descobrir que a filha de 7 anos estava com diabetes tipo 1, a design de desenhos Luciana Moreira, 40, imaginou que começaria ali um calvário de consultas e tratamento para Maria Eduarda, mas jamais pensou que também teria de se preocupar com o preconceito dos colegas da menina e, principalmente, dos pais dos amigos de escola. A falta de conhecimento sobre o diabetes, segundo especialistas, é comum, mas a rejeição em função da doença, não.
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Em fevereiro, Luciana descobriu que Maria Eduarda estava com a doença - uma disfunção no metabolismo da glicose causada pela falta ou a má absorção de insulina. "Uma coleguinha disse para a minha filha que não ia se sentar ao lado dela nas atividades porque ela é diabética e a menina não queria ficar doente. Minha filha ficou arrasada. Achei curioso, mas entendi, já que é uma criança", conta. O colégio em que Maria Eduarda estuda é particular e um dos mais tradicionais de Belo Horizonte. Também por isso, Luciana se espantou com os comentários dos pais. "Uma mãe me disse que era uma pena porque a filha dela gostava muito da Maria Eduarda e ela até estava pensando em chamá-la para ir brincar na sua casa, mas, agora, não poderia mais fazer isso. Uma outra me perguntou por que eu tinha dado tanto doce à minha filha, como se ela tivesse doente por isso".
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A escola informou que irá conversar com pais e alunos para esclarecer que o diabetes não oferece riscos de contágio. "O colégio tem dado todo o apoio, mas sofro por ver ela sofrer. No recreio, ela fica sozinha. Para piorar, este é o primeiro ano dela na escola", afirma Luciana, que criou uma página no Facebook com o nome "Minha filha é um doce", onde ela divulga informações sobre a doença.
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Gedeão Silva Porto descobriu que estava com diabetes tipo 1 aos 10 anos. Hoje, aos 12, ele ainda tenta se adaptar às restrições no cardápio. "Ele ficou chateado quando soube porque o irmão mais velho já tinha, e ele sabia que ia ter que deixar de comer algumas coisas. Mas jamais sofremos preconceito. Não justifica. Não é uma doença contagiosa", afirma a mãe de Gedeão, a vendedora Anabete Silva Porto, 47.
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Conscientização. A presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes em Minas Gerais, Adriana Bosco, diz que a desinformação sobre a doença é comum, mas que jamais ouviu um caso de preconceito. "Quem tem esse tipo de comportamento está na contramão do mundo, que vive um momento de aceitar as diferenças", pondera.
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A endocrinologista lembra que as crianças costumam ter mais dificuldades. "Em geral, elas não gostam de aplicar a insulina perto dos colegas e evitam o assunto nas salas de aula", afirma Adriana.
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Cardápio
Restrições são difíceis de seguir
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Um dos maiores temores de quem convive com o diabetes é a restrição no cardápio: evitar doces, massas e bebidas alcoólicas, por exemplo. Para as crianças, essa mudança na rotina costuma ser ainda mais difícil. O presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia em Minas Gerais, Paulo Augusto Carvalho, confirma que é preciso fazer algumas mudanças no cardápio, mas que é possível comer chocolates e outras guloseimas desde que haja disciplina.
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"Basta controlar o nível de insulina e fazer as opções no dia a dia. Com conhecimento, é possível viver com razoável liberdade", afirma Carvalho. A mãe de Gedeão Porto, 12, Anabete Silva Porto, 47, conta que é difícil para o filho resistir aos doces. "A dieta ao pé da letra é cara e difícil. Mas ele leva numa boa e se empenha ao máximo", conta. (TT).
. Fonte: O Tempo (MG)