segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Balanço anual do macro: estamos indo de mal a pior

Leonardo Boff*
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A realidade mundial é complexa. É impossível fazer um balanço unitário. Tentarei fazer um atinente à macrorrealidade e outro à micro. Se considerarmos a forma como os donos do poder estão enfrentando a crise sistêmica de nosso tipo de civilização, organizada na exploração ilimitada da natureza, na acumulação também ilimitada e na consequente criação de uma dupla injustiça – a social, com as perversas desigualdades em nível mundial, e a ecológica, com a desestruturação da rede da vida que garante a nossa subsistência – e se, ainda tomarmos como ponto de aferição a COP 18 realizada neste final de ano em Doha no Qatar sobre o aquecimento global, podemos sem exagero dizer: estamos indo de mal a pior. A seguir a este caminho encontraremos lá na frente, e não demorará muito, um “abismo ecológico”.
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Até agora não se tomaram as medidas necessárias para mudar o curso das coisas. A economia especulativa continua a florescer, os mercados cada vez mais competitivos – o que equivale a dizer – cada vez menos regulados e o alarme ecológico corporificado no aquecimento global posto praticamente de lado. Em Doha só faltou dar a extrema-unção ao Tratado de Kyoto. E por ironia se diz na primeira página do documento final que nada resolveu, pois protelou tudo para 2015: ”A mudança climática representa uma ameaça urgente e potencialmente irreversível para as sociedades humanas e para o planeta, e esse problema precisa ser urgentemente enfrentado por todos os países”. E não está sendo enfrentado. Como nos tempos de Noé, continuamos a comer, a beber e a arrumar as mesas do Titanic afundando, ouvindo ainda música. A Casa está pegando fogo, e mentimos aos outros dizendo que não.
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Vejo duas razões para esta conclusão realista, que parece pessimista. Diria com José Saramago: ”Não sou pessimista; a realidade é que é péssima; eu sou é realista”. A primeira razão tem a ver com a premissa falsa que sustenta e alimenta a crise: o objetivo é o crescimento material ilimitado (aumento do PIB), realizado na base de energia fóssil e com o fluxo totalmente liberado dos capitais, especialmente especulativos. Esta premissa está presente em todos os planejamentos dos países, inclusive no brasileiro. A falsidade da premissa reside na desconsideração completa dos limites do sistema-Terra. Um planeta limitado não aquenta um projeto ilimitado. Ele não possui sustentabilidade. Aliás, evita-se a palavra sustentabilidade, que vem das ciências da vida; ela é não linear, se organiza em redes de interdependências de todos com todos que mantêm funcionando todos os fatores que garantem a perpetuação da vida e de nossa civilização. Prefere-se falar em desenvolvimento sustentável, sem se dar conta de que se trata de um conceito contraditório porque é linear, sempre crescente, supondo a dominação da natureza e a quebra do equilíbrio ecossistêmico. Nunca se chega a nenhum acordo sobre o clima, porque os poderosos conglomerados do petróleo influenciam politicamente os governos e boicotam qualquer medida que lhes diminua os lucros e por isso não apoiam as energias alternativas. Só buscam o crescimento anual do PIB.
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Este modelo está sendo refutado pelos fatos: não funciona mais nem nos países centrais, como o mostra a crise atual, nem nos periféricos. Ou se busca um outro tipo de crescimento, que é essencial para o sistema-vida mas que por nós deve ser feito respeitando a capacidade da Terra e os ritmos da natureza, ou então encontraremos o inominável.
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A segunda razão é mais de ordem filosófica, e pela qual me tenho batido há mais de trinta anos. Ela implica consequências paradigmáticas: o resgate da inteligência cordial ou emocional para equilibrar o poderio destruidor da razão instrumental, sequestrada já há séculos pelo processo produtivo acumulador. Com nos diz o filósofo francês Patrick Viveret, “a razão instrumental sem a inteligência emocional pode perfeitamente nos levar à pior das barbáries” (Por uma sobriedade feliz, Quarteto 2012, 41); haja vista o redesenho da humanidade, projetado por Himmler e que culminou com a shoah, a liquidação dos ciganos e dos deficientes.
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Se não incorporarmos a inteligência emocional à razão instrumental-analítica, nunca iremos sentir os gritos da Mãe Terra, a dor das florestas abatidas e a devastação atual da biodiversidade, na ordem de quase cem mil espécies por ano (E.Wilson). Junto com a sustentabilidade deve vir o cuidado, o respeito e o amor por tudo o que existe e vive. Sem essa revolução da mente e do coração iremos, sim, de mal a pior. 
Veja meu livro: Proteger a Terra - cuidar da vida: Como escapar do fim do mundo (Record, 2010).
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* Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é escritor. - lboff@leonardoboff.com

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O trânsito: nossa casa, nossa rua

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Lúcio Alves de Barros*
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Um problema que já deixou de ser emergente no Brasil é o do trânsito. As pesquisas apontam que no período natalino e nos finais de ano aumentam não somente os acidentes, mas também as mortes e os prejuízos decorrentes delas. É lamentável que o país já saiba que nestes períodos quem está atrás no volante ou nos bancos dos automóveis correm grandes e pequenos perigos. A questão parece simples, mas não é. Vejamos pelo menos três fenômenos.
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O primeiro é o grande número de veículos que andam por aí. A frota de automóveis aumentou a ponto de dificilmente se encontrar estacionamentos ou melhores condições para as ruas e rodovias. O montante de carros, obviamente não pode ser o culpado por tamanha vergonha que são os números das mortes oriundas nos acidentes de trânsito no Brasil. Mais carros significaram mais congestionamentos e neles os proprietários em quatro rodas andam mais devagar. Contudo, é um problema e diversos países já estão levando a efeito a renovação da frota ou o rodizio dos automóveis na cidade.
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O segundo fenômeno é o fetiche que carrega este “patrimônio” superestimado no Brasil. O carro ainda é sinônimo de status e revela, em larga medida, o tamanho do falo do dono. A sociedade falocrática dá valor inclusive à marca, ao modelo e à potência do carro. Chega ao absurdo de chamar de “popular” automóveis que tem o mesmo preço de um apartamento ou de um curso superior em faculdade privada. No Brasil, comprar um carro significa para muitas pessoas “vencer na vida”, até porque vale o aparecer não o ser ou o ter. Aparentar que tem posses dirigindo pela cidade é um fetiche grotesco, principalmente, quando poucos sabem que na verdade o empreendimento de quatro rodas está sendo pago em 60 ou mais prestações.
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O último fenômeno foi bem delineado no livro de Roberto DaMatta, “Fé em Deus e pé na tábua - Ou Como e Por que o Trânsito Enlouquece no Brasil” (Rio de Janeiro, Ed. Rocco, 2011), onde o autor descreve com acuidade como o trânsito brasileiro retrata a configuração de nossa cultura. Uma cultura hierárquica, autoritária, machista e desigual. Na realidade, já sabemos que é de longa data este perfil social que aceitamos sem grandes problemas. O curioso é que é no carro que o sujeito se transforma. De acordo com o autor, é no automóvel e no trânsito que os brasileiros mostram hodiernamente os dentes. Se existe um acidente, provavelmente há mulher no meio. É possível beber um pouquinho de álcool e dirigir. Se a polícia pegar dá-se um jeitinho para sair de fininho e devagarinho. Mais que isso, o brasileiro se revolta quando o automóvel com menos potência lhe ultrapassa. E vale xingar e mostrar dedos para o recalcitrante. No trânsito, é preciso ser "esperto", andar rápido, “furar” filas, dar balão e saber se virar, mesmo tendo que trapacear os impessoais sinais que pululam nas vias mais rápidas e perigosas.
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O argumento de Roberto Da Matta é conhecido: no trânsito os brasileiros fazem da rua a sua casa e a utilizam como se aquele espaço público fosse a extensão da própria moradia. Neste sentido, é claramente aceitável buzinar onde não se deve, ultrapassar onde não é permitido e colocar em perigo a vida dos outros, haja vista que não existe um proprietário de automóvel que não se sinta mais dono da rua do que qualquer outra pessoa. Essa cultura autoritária e hierárquica marca a ferro e fogo as relações sociais no trânsito. O problema é que neste campo o erro pode ser fatal. O Brasil ainda caminha lentamente no campo normativo e as leis ainda são brandas em relação ao errante do volante. Mudanças em longo prazo podem ser viáveis e possíveis. Mas, dificilmente mudaremos uma cultura que nasceu capenga, distribuindo pessoas em camadas, produzindo seres humanos que se sentem mais especiais que outros, tratando as pessoas não na sua diferença, mas na indiferença. É difícil, diante do mencionado, acreditar que podemos ser iguais no trânsito, pois sequer conseguimos ser impessoais e ter em pé de igualdade os recursos disponíveis na sociedade. Pode até ser que muita coisa tenha mudado nos últimos anos, mas quando se percebe a resistência da maioria das pessoas em utilizar o transporte público ou mesmo a existência de políticas públicas favorecendo o indivíduo em detrimento da comunidade é hora de desligar o carro, fechar as portas e desistir, pois o Brasil não é para principiantes, não é para todos e o trânsito nada mais é que uma pequena e grande parte de um problema maior que poucos - muito poucos mesmo - estão comprometidos em solucionar. E a solução é difícil, principalmente quando dirigimos em esferas relacionais configuradas na desigualdade e na hierarquização e, no caso do trânsito, na velocidade, na impunidade, na periculosidade, na diferenciação, na individualização e na corrupção.
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*professor na FAE (Faculdade de Educação – FAE/BH/UEMG)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O porquê do retorno do sagrado

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Tela de Arte by Giotto di Bondone. In:  http://fadasuave.blogspot.com/
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O filósofo Charles Taylor, em artigo publicado no jornal Corriere della Sera, 15-01-2009, aborda a "tese da secularização" e sugere que hoje vive-se uma redescoberta do espírito. Segundo ele, "é necessário também saber trazer à superfície aqueles valores vividos profundamente pelas pessoas, isto é, articulá-los, dar voz a eles". A tradução é de Moisés Sbardelotto. Eis o artigo.
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É surpreendente, mas as ciências sociais, de resto nascidas secularizadas, foram até agora cegas e surdas frente aos valores espirituais. Salta aos olhos a total indiferença que não poucos filósofos, sociólogos e historiadores reservam à dimensão do espírito. As consequências desse desinteresse são pesadas no nível da imprensa e da opinião pública, especialmente a culta. Mas não é suficiente que, ao redor da religião, tenha sido criada intencionalmente uma cortina de indiferença e de ignorância; assim, a fé se torna objeto de contínuos ataques. É significativa a frase do Nobel Steven Weinberg, que além do mais é um cosmólogo e não um sociólogo: “Há pessoas boas que fazem coisas boas, e pessoas ruins que fazem coisas ruins, mas, se quiserem encontrar pessoas boas que façam coisas ruins, voltem-se para a religião”. Em alguns países, essa frase se tornou quase um provérbio e é repetida pela imprensa e nos bares. É impressionante que um homem como Weinberg se saia com tal frase, um homem que viveu grande parte da sua vida em um século, o XX, que conheceu os regimes mais opressivos da história. É essa objeção que eu utilizo logo que alguém se sai com a frase de Weinberg. E obtenho, invariavelmente, a seguinte resposta: “Mas o comunismo era uma religião!”. Em síntese, para alguns, a palavra “religião” se tornou sinônimo de irracionalidade e até mesmo de assassínio.
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Na prática, há quem entenda por “religião” um complexo de crenças que pode induzir pessoas boas e pacíficas (que não matariam nem uma mosca, sei lá, para conseguir um ganho pessoal) a se transformar em assassinas por uma “causa”. Um modo de pensar bastante rústico, esse. Ao qual se coloca uma outra objeção ainda: Hitler, Stalin, Pol Pot, Mao etc. eram todos inimigos da religião. O outro efeito negativo da mentalidade antirreligiosa é o atraso com o qual o verdadeiro problema da violência que cresce nas nossas sociedades é enfrentado. Ninguém está imune ao risco de ser arrancado da própria vida tranquila e recrutado na violência de grupo. Está na espreita a tentação de assumir como um alvo um outro grupo social e de considerá-lo responsável por todos os nossos males. Ora, a tarefa urgente é entender o que leva grupos inteiros de pessoas a se sentirem prontos para ser cooptados em um projeto do gênero.
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Mas temos uma abordagem imperfeita sobre esse problema. Grandes escritores como Fëdor Dostoevskij iluminaram a origem da violência e do delito, que, porém, ainda permanece envolvida no mistério. E é incompleto o conhecimento que temos acerca do caminho seguido por personagens dotados de carisma espiritual, como Gandhi, para convencer as massas a repudiar a violência, parando-as justamente quando estavam por ultrapassar a linha de não retorno. Sem intervenção de autoridades espirituais, frequentemente os esforços melhor intencionados também não conseguem impedir que a história se faça “sobre a mesa do açougueiro”, como disse Hegel. E dá calafrios pensar que Robespierre votou contra a pena de morte nas primeiras discussões sobre a Constituição republicana.
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Recentemente, trabalhei para compreender quais são hoje os significados e as implicações do termo “secularização”. Durante muito tempo, a sociologia considerou esse processo como inevitável. Algumas características da modernidade – o desenvolvimento econômico, a urbanização, a mobilidade em contínuo aumento, o nível cultural mais alto – eram vistas como fatores que teriam provocado um inevitável declínio da crença e da prática religiosa. Era a famosa “tese da secularização” e, durante muito tempo, dominou o pensamento nas ciências sociais e nos estudos históricos. Essa convicção foi abalada por acontecimentos recentes. A religião reagiu à modernização, respondeu ao desafio demonstrando a própria vitalidade. Em todo o caso, porém, a religião se tornou a base para uma mobilização política e o fenômeno é inclusive ameaçador, dadas as proporções que assumiu. É hora de conhecer a fundo essa dinâmica, os benefícios e os malefícios que comporta, ver claramente em um mundo que a velha teoria da secularização ainda esconde à vista. A incapacidade de distinguir a dimensão espiritual da vida humana nos torna incapazes de explorar temas vitais. Então, trata-se de reportar a espiritualidade ao centro e em domínios abertos em que descobertas decisivas são possíveis.
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No mundo secularizado, ocorreu que as pessoas se esqueceram das respostas às principais perguntas sobre a vida. Mas o pior é que se esqueceram também das perguntas. Os seres humanos – que o admitem ou não – vivem em um espaço definido por perguntas profundas. Qual é o sentido da vida? Existem modos de vida melhor e piores, mas como são reconhecidos? Quais são os modos úteis para o indivíduo e para a comunidade à qual pertence? Qual é o fundamento da minha dignidade pessoal, que eu procuro defender por mim mesmo, a cada dia? As pessoas têm fome de respostas para todas as questões e, se se dão conta ou não, sentem a necessidade de vê-las resolvidas por qualquer um. Haverá quem considere errada ou absurda a minha ideia. Eu estou certo de que é fundamentada.
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Fala-se de “descoberta do espírito”, em analogia com as descobertas que ocorrem na biologia, física e química. Mas é mais exato falar de “redescoberta do espírito”: o homem tem uma excepcional capacidade de se esquecer de coisas que conhecera e depositara no profundo do coração. Os filósofos, a partir de Platão, analisaram essa característica humana. Heidegger fala, a propósito, de “esquecimento do ser”. Eu penso que o homem desliza em uma “desmemória do ser”. Creio que caímos em um tipo especial de esquecimento. Em todo o caso, o mundo moderno se funda sobre uma cadeia bem precisa de desmemórias.
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Uma das regras principais do saber humano é tirar para fora as respostas inarticuladas que as pessoas se dão na vida. Por isso, temos necessidade de um novo conhecimento da razão. Não se trata simplesmente de se mover com procedimento dedutivo por meio de um argumento. É necessário também saber trazer à superfície aqueles valores vividos profundamente pelas pessoas, isto é, articulá-los, dar voz a eles. Penso que é muito perigoso esquecer os valores, porque novidades positivas diversas emergiram no nosso tempo, enquanto o povo respondera, de um certo modo, às perguntas que as novidades pressupunham. Boa parte da violência ocorrida no nosso mundo provém do fato de que os jovens são recrutados por causas que os transformam em horríveis robôs assassinos. Quem os recruta é uma oferta que promete dar um conteúdo às suas vidas. Estão sem trabalho, sentem-se sem futuro, não têm (não podem ter) o sentido da dignidade. Sim, deram uma resposta a uma pergunta. Uma resposta extremamente destrutiva, porque autodestrutiva. E nós estaremos desesperados, se não conseguirmos recomendar-lhes, em tempo útil, uma resposta diferente.
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Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-arquivadas/19504-o-porque-do-retorno-do-sagrado-um-artigo-de-charles-taylor

'Nós teremos que mudar', diz Obama em ato ecumênico em Newtown

NEWTOWN, Estados Unidos - Diante de parentes e amigos de vítimas do massacre da escola de Sandy Hook e religiosos dos mais diversos credos, o presidente americano, Barack Obama, declarou na noite de domingo, em Newtown, que os EUA, enquanto nação, não estão “fazendo o suficiente” para cuidar de seus filhos e fez um apelo para que a população mude sua conduta diante das recorrentes chacinas ocorridas no país. Em seu discurso, no auditório da escola secundária da cidade, Obama buscou enviar uma mensagem de conforto à população afetada pela tragédia, assim como a um país chocado por mais uma matança de inocentes. Apesar de ter se mostrado solidário, o presidente não tocou na questão do controle de armas, assunto que domina as rodas de conversa na pequena cidade do estado de Connecticut desde que Adam Lanza matou 20 crianças e seis adultos na sexta-feira passadaa, além da própria mãe.
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- Estamos fazendo o suficiente para manter nossas crianças longe do perigo? Tenho refletido nestes últimos dias e a resposta é não. Nós teremos que mudar - afirmou Obama, que continuou: - Nós temos a obrigação de tentar e prevenir tragédias como esta. Não podemos aceitar eventos como este como rotina.
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O presidente começou o discurso no auditório lotado da escola secundária de Newtown oferecendo amor e orações de toda a nação.
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- Nós fixaremos os olhos não no que é visto, mas no que não é visto. O que vemos é temporário, o que não vemos é eterno. Nós nos reunimos aqui em memória de 20 lindas crianças e seis adultos especiais. Eles perderam suas vidas em uma escola, que poderia ser qualquer escola numa cidade de gente decente e tranquila, que poderia ser qualquer uma na América - falou o presidente - Venho oferecer as orações de uma nação. Minhas palavras não podem se equiparar a sua dor, nem podem curar o que sentem.
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Na última sexta-feira, um jovem de 20 anos matou 26 pessoas na escola primária Sandy Hook, sendo 20 crianças de 6 e 7 anos, além de sua mãe, morta minutos antes do massacre na própria casa. No dia da tragédia, em um discurso emocionado, Obama falou em "ações significativas" para evitar novos massacres, mas não deu detalhes. A chacina - a segunda maior da História dos EUA, só atrás de Virgínia Tech - reacendeu o debate sobre armas no país. Uma petição pede na internet a elaboração de um plano para acabar com a violência provocada por armas no país. O prefeito de Nova York Michael Bloomberg foi um dos políticos a declarar neste domingo seu apoio a novas diretrizes sobre a lei de armamento nos Estados Unidos. Ele e divulgou o link em seu perfil no Twitter.
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Apesar de os EUA já terem sido cenário de vários tiroteios em instituições de ensino, nas últimas décadas, nunca as vítimas tinham sido crianças tão pequenas. No sábado, alguns parlamentares democratas pediram novas medidas de controle de armas, uma iniciativa que provavelmente terá forte resistência do lobby da indústria de armas no país. Dias após a tragédia na escola, um possível novo massacre numa escola americana foi evitado pela polícia, no estado de Indiana. Mantendo 47 armas escondidas em casa, um homem foi preso por planejar um atentado para "matar o máximo de pessoas possível".
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Paróquia é esvaziada após ameaça
Enquanto aguardava a chegada do presidente, a cidade de Newtown levou um susto quando uma igreja católica foi esvaziada pela polícia neste domingo. A paróquia recebeu uma ligação anônima ameaçando o padre (um homem gritava na linha: "estou indo para matar") e a polícia achou prudente esvaziar a missa de meio-dia que acontecia próxima à escola primária Sandy Hook. A busca por novas pistas também continua. Apesar de novas evidências, ainda não há explicações para o ataque. Antes de se matar na escola de Sandy Hook, Adam Lanza assassinou com vários tiros de espingarda 12 meninas, outro meninos e seis mulheres adultas. A mãe do atirador foi morta em casa minutos antes do início do massacre na escola. O laudo pericial divulgado neste domingo informa que Nancy Lanza foi atingida por diversos tiros na cabeça. Adam também morreu com um tiro na cabeça, dado por ele mesmo.
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Família de atirador se diz em choque
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Diante do horror, a família do atirador também procura respostas e, num comunicado, o pai do jovem, Peter Lanza, diz estar em "choque".
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"Nossa família está sofrendo junto com todos os que foram afetados por essa grande tragédia", escreveu em um comunicado, divulgado pela CNN. "Não há palavras capazes de expressar o tamanho dessa dor. Estamos em choque e tentando encontrar respostas para o que aconteceu."
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Aos poucos, mais informações sobre as crianças aparecem. Olivia Engel, por exemplo, participaria de um teatro de Natal na igreja Rosa de Lima, onde a comunidade se reúne em vigília.
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- Ela ia ser um anjo na peça. Agora é um anjo no céu - disse o padre Robert Weiss.
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Emilie Parker, outra das vítimas, estudava português com o pai. Em discurso emocionado, na noite de sábado, Robbie Parker lembrou sua filha, quem descreveu como uma pessoa alegre e amorosa. A professor Vicki Leigh Soto, de 27 anos, foi uma das adultas mortas por Adam. Ela salvou a vida de seus alunos, se jogando na frente deles, como um escudo humano.
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Segundo autoridades, as aulas seriam retomadas em Newtown na próxima terça-feira, exceto em Sandy Hook. No sábado, funcionários e membros do governo ainda pensavam numa maneira de retomar as atividades escolares no local, que tem quase 700 alunos, entre o jardim de infância e o quarto ano. No sábado, a polícia disse ter encontrado "provas muito boas" sobre os motivos que levaram à chacina. O jovem Adam Lanza tinha problemas para se integrar na comunidade e sua mãe, Nancy, o teria tirado da escola por muitos anos, o atirador teria estudado muito tempo em casa. Segundo pessoas próximas, Adam seria autista e teria distúrbios de personalidade.
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Fonte: O Globo (RJ)
 

domingo, 16 de dezembro de 2012

Vítimas de massacre em escola levaram pelo menos dois tiros

NEWTOWN, Estados Unidos - O médico legista H. Wayne Carver II informou que todas as vítimas da tragédia na escola primária Sandy Hook, em Connecticut, já foram identificadas: 12 meninas e oito meninos, com idades de 6 e 7 anos, e seis mulheres adultas. A maioria das crianças era da primeira série e morreu em decorrência de múltiplos ferimentos à bala.

- Os ferimentos eram devastadores. Foi a pior cena que já vi em toda minha profissão - afirmou o legista.
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De acordo com Carver, as sete primeiras autópsias revelaram que as crianças levaram de três a 11 tiros. Os disparos foram feitos pelo rifle, refutando a notícia inicial de tiros dados à queima roupa. No início da noite deste sábado, foram divulgados os nomes das crianças e suas idades (Charlotte Bacon, 6, Daniel Barden, 7, Olivia Engel, 6, Josephine Gay, 7, Ana M. Marquez-Greene, 6, Dylan Hockley, 6, Madeleine F. Hsu, 6, Catherine V. Hubbard, 6, Chase Kowalski, 7, Jesse Lewis, 6, James Mattioli, 6, Grace McDonnell, 7, Emilie Parker, 6, Jack Pinto, 6, Noah Pozner, 6, Caroline Previdi,6, Jessica Rekos, 6, Avielle Richman, 6, Benjamin Wheeler, 6, Allison N. Wyatt, 6.) e dos funcionários da escola (Rachel Davino, 29, Dawn Hochsprung, 47, Anne Marie Murphy, 52, Lauren Rousseau, 30, Mary Sherlach, 56, Victoria Soto, 27).
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O pai de uma das crianças assassinadas na manhã de sexta-feira falou à "CNN":
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- Minha filha, Emilie, seria a primeira a consolar essas famílias, não por causa da educação que eu e minha mulher demos, mas porque é o tipo de pessoa que ela era - disse Robbie Parker, pai de Emilie, seis anos, que falou ainda sobre o assassino: - Deus não tira de nós o nosso livre arbítrio. Ele fez o que achou que deveria fazer. Não estou revoltado. Eu estou fazendo o que está ao meu alcance. Estou disposto a ajudar quem precisar.
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A identidade do atirador não estava confirmada na lista dos mortos, divulgada pela polícia em uma coletiva para a imprensa na tarde de sábado. O corpo de Nancy Lanza, mãe do atirador, morta antes do massacre, será periciado neste domingo.
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Família em estado de choque
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A família de Adam está em estado de choque. Na cidade de Kingston, em New Hampshire, um policial leu um comunicado em nome do oficial James Champion, tio de Adam e irmão de Nancy.
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"A família de Nancy Lanza compartilha do luto de uma comunidade e de uma nação enquanto luta para compreender a tremenda perda que tivemos. Nossos corações e orações estão com aqueles que partilham desta perda: suas famílias, professores, equipe e estudantes da escola elementar de Sandy Hook, e a todos tocados por esta tragédia".
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Depois, em nome da mãe de Nancy, Dorothy Champion, o oficial afirmou: "Nós queremos dizer à comunidade de Newton que sentimos muito pela incompreensível morte de inocentes que afetou tantos". De acordo com a "CNN", Nancy havia parado de trabalhar recentemente para cuidar em tempo integral de Adam.
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Atirador forçou entrada na escola
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O atirador, Adam Lanza, entrou à força na escola primária Sandy Hooks, na manhã de sexta-feira. No total, Adam matou 20 crianças e seis adultos. Policiais afirmam não terem disparado um tiro na escola, o que leva a crer que Adam - encontrado morto no colégio - se matou após a chacina.
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Segundo a polícia, o atirador foi preciso em seus disparos, só uma vítima ficou ferida, o restante morreu. Duas crianças chegaram a ser socorridas com vida, mas morreram no caminho para o hospital. A sobrevivente - que levou um tiro no pé - será interrogada.
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'Boas evidências' sobre motivação
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Investigadores afirmaram ainda neste sábado que possuem "boas evidências" para explicar a motivação de Adam Lanza para cometer o massacre.
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- Nossos inspetores encontraram algumas boas evidências na cena do crime que vão ser usadas pelos investigadores para, se tudo der certo, completar as lacunas do motivo pelo qual isto ocorreu - afirmou o o porta-voz da polícia de Connecticut, Paul Vance.
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Parentes e pessoas próximas a Adam estão sendo interrogados. Segundo o “New York Times”, muitos teriam dido que o atirador tinha distúrbios de personalidade. Alguns chegaram a dizer que Adam, de 20 anos, tinha síndrome de Asperger, considerada uma forma de autismo. Nesta manhã, Vance afirmou que investigadores encontraram informações que podem explicar a chacina, mas não deu detalhes.
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- Temos esperanças de que vai explicar o quadro geral de como e por que - disse Vance.
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Quando Adam entrou na escola, a diretora do colégio, Dawn Hochsprung , se reunia com a psicóloga Diane Day, uma outra terapeuta Mary Sherlach, outros funcionárias e uma mãe de aluno. Ao ouvir os disparos, Dawn e Mary saíram correndo da sala e confrontaram Adam. As duas foram mortas.
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- Elas não pensaram duas vezes e se levantaram - contou Diane ao “Wall Street Journal”.
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Fonte: O Globo

sábado, 15 de dezembro de 2012

Atirador de Connecticut matou maioria das vítimas com tiros à queima-roupa, diz polícia

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NEWTOWN, Estados Unidos - Um dia depois do massacre em uma escola primária de Connecticut, detalhes da chacina começam a aparecer. A maioria das vítimas foram mortas à queima-roupa, informou a polícia nesta manhã. Segundo testemunhas, diretora do colégio de Newtown abriu a porta para o atirador Adam Lanza, após reconhecê-lo como filho de uma de suas colegas de trabalho, Nancy, morta minutos antes pelo próprio filho. Acredita-se que a diretora tenha sido a primeira vítima de Adam na escola.
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A escola Sandy Hook fica aberta até às 9h30m, depois só é possível entrar no local depois de se identificar por um interfone. Adam Lanza teria chegado no local poucos minutos depois das 9h30m. Segundo a CNN, três armas encontradas na escola foram compradas legalmente pela mãe do atirador.
No total, Adam Lanza matou 20 crianças - todas entre 5 e 10 anos - e seis adultos na escola. Todos foram mortos com tiros à queima-roupa. Policiais afirmam não ter disparado nenhum tiro na escola, o que leva a crer que Adam - encontrado morto no colégio - se matou após a chacina. Segundo a polícia, o atirador foi preciso em seus disparos, só uma vítima ficou ferida, o resto morreu. Duas crianças chegaram a ser socorridas com vida, mas morreram no caminho para o hospital.
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Ainda não se sabe o que motivou o massacre. Parentes e pessoas próximas a Adam estão sendo interrogados. Segundo o “New York Times”, muitos teriam tido que o atirador tinha distúrbios de personalidade. Alguns chegaram a dizer que Adam, de 20 anos, tinha síndrome de Asperger, considerada uma forma de autismo.
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Fonte: O Globo 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

PBH entra na Justiça contra lei que obriga mais investimentos em educação

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A Prefeitura de Belo Horizonte recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender legislação que obriga o município a investir em educação 30% de seu orçamento – em vez dos 25% exigidos pela Constituição. Em ação cautelar com pedido de liminar, o Executivo pede a suspensão dos efeitos de artigo da Lei Orgânica do Município que ampliou não só o percentual para aplicar no setor como também a base de cálculo que deveria ser considerada. O município alega que pode ter as contas rejeitadas com a manutenção da regra e prejudicar com isso até mesmo os investimentos para a Copa do Mundo de 2014.
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Essa não é a primeira tentativa de reverter a lei. A PBH havia entrado com ação no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que negou o pedido, e os procuradores municipais recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF), que recusou dar provimento ao recurso, alegando que ele estava fora do prazo. O município tentou ainda um agravo de instrumento, que não pode ser julgado pela Corte enquanto não for julgado outro agravo tratando do mesmo tema.
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A PBH alega na ação que, ao aumentar o percentual de investimento, a Lei Orgânica municipal fere a Constituição Federal, que fixa o percentual mínimo de 25% para aplicação no setor e coloca uma base de cálculo específica para definir o valor anual. Sustenta, ainda na ação, que há jurisprudência do STF negando mudanças em normas que alteram o critério de apuração da cota. O prefeito Marcio Lacerda (PSB), por meio de seus procuradores, alega que pelas regras previstas na lei questionada a prefeitura seria obrigada a investir valores até 123% superiores aos que seriam o limite constitucional. Ainda segundo a PBH, o investimento representa mais do que 51% de sua arrecadação tributária. Na ação, o Executivo cita um alerta do Tribunal de Contas do Estado (TCE) sobre o risco de reprovação das contas em virtude da lei.
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Uma das argumentações da PBH é de que com a possível rejeição das contas por causa da manutenção do investimento dos 30% em educação a cidade ficaria prejudicada com o comprometimento abrupto das finanças, “inclusive obstaculizando execução de projetos relacionados à mobilidade urbana, entre outros que se inserem na imperativa agenda nacional para a Copa do Mundo de 2014”. Segundo a PBH, o valor apurado com os 30% representa a soma de recursos aplicados, em grande parte, em outras áreas “que também traduzem necessidades coletivas essenciais” e sem vinculação constitucional. Entre elas, o Executivo cita habitação, transporte coletivo, assistência social, saneamento, urbanismo e gestão ambiental. A PBH foi procurada para comentar a ação, mas informou que os procuradores não foram encontrados. O processo foi distribuído ao ministro Dias Toffoli, relator do recurso especial que a PBH já havia ingressado para tentar suspender a mesma lei.
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Fonte: Estado de Minas (MG)

Ataque a escola primária deixa dezenas de mortos em Connecticut

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Um ataque a uma escola primária deixou ao menos 27 mortos e vários feridos nesta sexta-feira em Connecticut, segundo informações da agência AP e canais de TV. Ao menos 18 das vítimas seriam alunos da Sandy Hook Elementary School, afirma a agência, e teriam entre 5 e 10 anos. Informações iniciais indicam que o suspeito, Ryan Lanza, teria 24 anos e usava máscara e colete a prova de balas no momento do crime. Sua mãe era professora da escola e a maioria das vítimas seriam seus alunos. O corpo do pai do atirador foi encontrado em uma casa em Nova Jersey.
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Em coletiva, um representante da polícia local disse que o atirador também está entre os mortos. Seu corpo foi encontrado em uma sala de aula. Ainda não se sabe se Ryan se suicidou ou foi morto por policiais. O diretor e o psicólogo da escola também foram mortos.
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Ryan teria usado quatro armas - dentre elas uma Sig Sauer e Glock 9 - e feito mais de 100 disparos no massacre. As pistolas pertencem a Ryan Lanza e foram compradas legalmente. De acordo com a CBS, uma pessoa com roupas militares foi detida, sob a acusação de ser possivelmente um segundo atirador - e irmão de Ryan. O homem, no entanto, estava gritando "eu não fiz isso" no momento de sua prisão.
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Autoridades que estão fora do prédio informaram que estão faltando os alunos de uma sala inteira na contagem que foi feita após o esvaziamento da escola. Outras testemunhas contaram à emissora CNN que, durante o ataque, uma professora trancou crianças dentro de um armário e impediu que mais jovens fossem baleados. Duas meninas de nove anos disseram que policiais retiaram os alunos da sala de aula pedindo que "todos fechassem os olhos". Outro aluno, de nove anos, afirma ter visto o atirador quando estava chegando ao colégio.
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- Eu vi alguns tiros na entrada, então um professor me empurrou para uma sala.
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Um representante do governo disse que o governador Dannel Maloy "está horrorizado com o o que aconteceu." Jay Carney, porta-voz da Casa Branca, afirmou em entrevista coletiva que o presidente Barack Obama está sendo "constantemente atualizado" sobre o ocorrido em Newtown e deve falar sobre o assunto à população americana. Obama conversou mais cedo com Maloy e com o diretor da polícia federal (FBI), Robert Mueller. Carney declarou não ter informações oficiais sobre o número de vítimas do ataque armado e disse que "este não era o momento de discutir a legislação sobre armas".
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- Tenho certeza de que haverá um dia para discutir a legislação, mas não acho que esse dia seja hoje - afirmou a jornalistas.
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As escolas da região foram fechadas como medida de precaução. Autoridades temem que esse seja o pior massacre desde o ataque de Virginia Tech, que deixou 33 mortos em abril de 2007. O ataque também está sendo comparado ao massacre de Columbine, em abril de 1999, quando os estudantes Eric Harris, de 18 anos, e Dylan Klebold, de 17 anos, abriram fogo em sua escola. Treze pessoas morreram, 12 estudantes e um funcionário da instituição. Vinte e seis pessoas ficaram feridas. Após o atentado, os dois se mataram.
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sábado, 8 de dezembro de 2012

Cerimônia do Adeus

Pablo Capistrano*
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“Deve ser muito embaraçoso ser ateu e materialista e ainda assim falar português”.
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Essa talvez seja a mais evidente conclusão a que a gente chega quando lê Adeus a Emmanuel Lévinas. O livro é constituído pelo discurso pronunciado por Jaques Derrida no cemitério de Pantin, no dia 27 de dezembro de 1995, por ocasião da morte de Lévinas; junto com o texto A palavra acolhimento, lido pelo próprio Derrida um ano depois da morte do amigo em um encontro acadêmico.
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Não se trata apenas de um elogio fúnebre de um dos maiores pensadores judeus do século XX para outro igualmente grande pensador judeu. Filósofos também aproveitam a hora da morte para praticar o seu esporte preferido, que é levar o pensamento a seus limites, sempre que algo ou alguém oferece uma abertura para que a imaginação e a linguagem possam se libertar de suas cadeias cotidianas.
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Por isso Derrida pensa a palavra a-Deus, com todo o constrangimento que ela contém. Como é possível, diante da morte de um amigo, dizer “até logo”, quando se assume a crença metafísica de que só há este mundo, de que só temos esta vida, de que só há esta experiência radical de existir? E como dizer “a-Deus” se essa despedida definitiva, em nossas línguas neolatinas, implica o traço de uma entrega, de um abandonar, de um direcionar o morto a um Deus em que não se acredita? Derrida escreve: “Antes e para além da ‘existência’ de Deus, fora de sua provável improbabilidade, até no ateísmo mais vigilante, senão no mais desesperado, o ‘mais sóbrio’, o dizer a-Deus significaria essa hospitalidade”.
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Hospitalidade, recolhimento, entrega. Despedir-se é, de um modo ou de outro, apostar nessa entrega, nessa hospitalidade, nesse acolhimento. Saber-se estranho nesse mundo, estrangeiro nessa terra, exilado nesse tempo. A gente entrega a Deus os nossos mortos porque não há como fugir do paradoxo de que o definitivo é sempre um campo de morada, um lugar para se estar, um espaço de pertencimento.
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Pela epifania dos rostos humanos, o sujeito que pensa e fala, que anda pelo mundo como se tivesse uma seiva, como se carregasse uma luz, como se fosse um mistério do mundo em sua irredutível complexidade, é sempre um hóspede. Sempre um passageiro que atravessa a vida com o ritmo das estações, com a marcação dos momentos.
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O tempo das nossas palavras é muito estranho, amigo velho, para que a gente possa sonhar em com um sistema que nos liberte de Deus. Ele anda conosco, mesmo por entre as brechas das palavras que nós usamos quando tentamos escapar da Sua presença.
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Publicado em 04/12/2012
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Escritor, professor de Filosofia do IFRN
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Diretora de escola infantil é indiciada por maus-tratos

Um grupo de orientadoras da Escola Berçário Trenzinho Feliz, na Vila Clementino, zona sul de São Paulo, procurou a polícia para denunciar crimes de maus-tratos que, segundo elas, foram praticados pela diretora enquanto as crianças almoçavam.
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As orientadoras levaram um vídeo com imagens feitas com uma câmera escondida. Conceição Tomaz Cruz, de 52 anos, foi indiciada ontem por maus-tratos. Ela responderá o processo em liberdade. O advogado dela não foi localizado pelo Estado para comentar o assunto.
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A delegada Lisandrea Zonzini Salvariego Colabuono, titular da 2.ª Delegacia de Defesa da Mulher, do 16.º Distrito Policial (Vila Clementino), diz que o vídeo não deixa dúvidas. "Ela (Conceição) dá um tapa em uma criança de 2 anos que não queria comer", afirma. A cena foi registrada no refeitório do estabelecimento, que chega a atender bebês no período da tarde. A polícia afirma que as professoras, antes de apresentarem o vídeo, pediram demissão da escola.
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"Depois disso, apareceram mais 15 mães aqui na delegacia reclamando da escola, mas só consegui comprovar que três crianças foram agredidas", afirma a delegada. Segundo Lisandrea, inicialmente Conceição negou que tivesse batido em uma das crianças da escola. Mas, após assistir ao vídeo, teria confessado. "Ela não explicou os motivos para fazer aquilo."
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A delegada abriu inquérito para apurar o caso, mas pretende provar que houve uma eventual tortura. "Só assim poderemos prender a diretora. Por lei, ela não pode ficar presa por maus-tratos", explica.
Segundo a policial, os maus-tratos não foram os únicos problemas constatados. Ela diz que insetos foram vistos dentro da unidade de ensino. "Eu nunca tive um caso parecido aqui na delegacia", revela. Algumas mães ainda reclamaram de picadas de mosquito no corpo das crianças.
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A mensalidade dos alunos da unidade de ensino varia de R$ 500 a R$ 800. O valor foi divulgado pelos pais dos alunos que estiveram ontem no Distrito Policial. A dona de casa Adalgisa de Souza, de 39 anos, é mãe de uma criança de 3 anos e garante que não irá mandar mais o filho para o estabelecimento. "Ele não sofreu agressão física, mas tem tido comportamento estranho. Aponta o dedo para a gente, grita e diz 'cala a boca'. Nós não temos essa conduta em casa", diz. Preocupada, Adalgisa questionou a escola, mas como resposta ouviu que o problema no comportamento do aluno poderia estar relacionado à televisão. "Só que não deixamos ele ver nada na TV depois das18h", explica.
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Na Escola Berçário Trenzinho Feliz, na Rua Jureia, as portas ficaram fechadas o dia todo. Apenas um cartaz informava sobre o fechamento da unidade. Protesto. Pais de alunos da escola prometem realizar um protesto hoje, a partir das 14 horas. Eles irão organizar uma reunião de manhã para tentar impedir que a escola volte a funcionar. A delegada Lisandrea comentou que um advogado da escola chegou a comparecer na delegacia ao longo do dia de ontem, mas teria abandonado o caso.
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Fonte: Estado de São Paulo

Câmera escondida flagra dona de escola agredindo crianças em SP

A dona de uma Escola infantil na Saúde, bairro da zona sul de São Paulo, foi acusada de maus-tratos contra crianças após funcionárias do local filmarem, com uma câmera escondida, agressões sofridas por Alunos.Dona de Escola infantil é indiciada por maus tratos a crianças.
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Nas imagens divulgadas, a mulher, apontada pela Polícia Civil como Conceição Tomaz Cruz, 52, dona e diretora da Escola Trenzinho Feliz, grita e dá um tapa no rosto de uma menina de dois anos que não queria comer.
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Ela aparece, de acordo com a polícia, também empurrando um garoto de apenas um ano e oito meses.
"Uma vez um menino vomitou e ela [Conceição] o fez comer tudo", afirma uma Professora que fez a filmagem e denunciou o caso à polícia. Ela pediu para não ter o seu nome publicado.
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Fonte: Folha de São Paulo

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Sem bons professores não há futuro

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Editorial
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Países como Coreia do Sul, Finlândia, Cingapura, Canadá e Japão, que estão no topo da Educação mundial, têm pelo menos uma coisa em comum: ser Professor nesses países é objeto de desejo. Os jovens se sentem atraídos pela carreira do magistério. No Brasil, eles têm fugido da carreira. País sem bons Professores não tem futuro. Não é à toa que a qualidade de nosso Ensino médio está estagnada há mais de 10 anos.
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Muitos jovens não conseguem terminar essa etapa, ficando pelo meio do caminho, e a grande maioria dos que o concluem sai com baixo nível de aprendizagem. Por exemplo, em matemática, 89% dos concluintes não aprenderam o que seria esperado ao término da última etapa da Educação básica. Por isso, a oferta de um Ensino médio de qualidade, capaz de motivar nossa juventude, é o grande desafio da Educação brasileira.
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Para que isso aconteça, um pré-requisito essencial é ter bons Professores — em quantidade suficiente para atender à atual demanda. Por exemplo, dos que ensinam física, 61% não tiveram formação na disciplina ou em outra da mesma área de conhecimento; em química, o percentual é de 44%. Soma-se a isso um currículo pouco atraente numa Escola de tempo parcial. Como gostar do Ensino médio nessas circunstâncias?
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Estudo da Professora Bernadete Gatti, da Fundação Carlos Chagas, mostrou que tanto a formação inicial dos nossos Professores quanto a continuada estão longe das atuais necessidades da Escola pública. Não dialogam com a sala de aula. A formação é muito teórica. Não há propriamente projeto ou plano de estágio, nem sinalizações sobre o campo de prática ou a atividade de supervisão.
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Raras instituições especificam em que consistem os estágios e sob que forma de orientação são realizados, ou se há convênio com Escolas das redes. A Escola, como instituição social e de Ensino, é elemento quase sempre ausente nas ementas, o que leva a pensar numa formação pouco integrada com a ação profissional do Professor.
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Na maior parte dos ementários analisados, não foi observada articulação entre as disciplinas de formação específica (conteúdos da área disciplinar) e as de formação pedagógica (conteúdos da docência). Na prática, o que se observa é que a licenciatura não tem identidade própria, é um híbrido mal-estruturado entre o bacharelado e disciplinas do campo pedagógico.
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Sem bons Professores não teremos um bom e atraente Ensino médio. Aqui é preciso um pacto entre governos – nas esferas estadual e federal – e instituições formadoras. Aí voltamos ao primeiro trecho deste artigo: por que nos países citados os jovens são atraídos pela carreira do magistério? Essencialmente quatro fatores respondem à questão: salário inicial atraente, plano de carreira motivador, pautado no desempenho em sala de aula e na formação continuada, formação inicial sólida com foco na prática Docente e Escolas bem-estruturadas e organizadas.
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Isso é a parte que cabe ao futuro empregador: o governo estadual em colaboração com o governo federal. Há um movimento interessante em prol de criar uma carreira federal para os estados, com certificação Docente. Às instituições formadoras, por sua vez, cabem mudanças profundas na formação Docente. E aqui proponho algumas iniciativas.
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Primeiro, é preciso dar identidade às licenciaturas, integrá-las por área de conhecimento, com Professores dedicados em tempo integral à Educação básica com foco no Ensino médio. A esses se juntariam os que poderíamos chamar de “Professores-pontes”, Professores do Ensino médio que teriam parte do tempo dedicado a esse espaço próprio de formação de Professores. Eles trariam o “cheiro de Escola”. Um terceiro grupo seria o dos Professores visitantes, que oxigenariam o sistema com novas práticas Docentes. Além do grupo dos respectivos bacharelados, que seriam colaboradores no processo de formação.
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Como os Alunos das licenciaturas em geral chegam do Ensino médio com formação muito precária, seria dada a eles atenção especial já nessa etapa da Educação básica – ou seja, os futuros Alunos que quisessem ingressar nos cursos de licenciatura deveriam estudar preferencialmente em Escolas de tempo integral, e, motivados por nova carreira, teriam atenção especial das instituições formadoras já no Ensino médio. Os Alunos de licenciatura, nessa nova roupagem de formação, teriam todos bolsa de iniciação à docência, com plano de trabalho bem definido.
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Por fim, o currículo da nova licenciatura teria como características o foco na prática Docente e na formação interdisciplinar, a forte inclusão das novas tecnologias e de espaços de aprendizagem e a residência Docente em Escolas de tempo integral. Quanto custa isso? Certamente menos do que se gasta para recuperar os jovens que estão nas ruas, afastados das Escolas e sem perspectivas futuras. Como disse Derek Bok, ex-reitor de Harvard, se você acha a Educação cara, experimente a ignorância.
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Fonte: Correio Braziliense (DF)

Nuvens no horizonte neoliberal

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Por Frei Betto *
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Passei agradável fim de semana de novembro em companhia de Boaventura de Sousa Santos e outros amigos. Em sua fecunda reflexão, o cientista social português apontou as carregadas nuvens que pesam sobre a conjuntura mundial.
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Há uma flagrante desconstrução da democracia. Desde o século XVI a Europa tem a sua história manchada de sangue, devido à incidência de guerras. Nos últimos 50 anos, acreditou ter conquistado a paz consolidada pela democracia fundada em direitos econômicos e sociais.
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De fato, tais conquistas funcionavam como antídoto à ameaça representada pelo socialismo que abarcara a metade leste do continente europeu. Com a queda do Muro de Berlim, o capitalismo rasgou a fantasia e mostrou sua face diabólica (etimologicamente, desagregadora). Os direitos sociais passaram a ser eliminados, e os países, antes administrados por políticos democraticamente eleitos, são governados, agora, pela troika FMI, BCE (Banco Central Europeu) e agências de risco estadunidenses.
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Nenhum dirigente dessas instituições foi eleito democraticamente. E qual a credibilidade das agências de risco se na véspera da quebra do banco Lehman Brothers, a 15 de setembro de 2008, as agências atribuíram a seus papéis a nota mais alta – triplo A?
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Hoje, o único espaço ainda não controlado é a rua. Mesmo assim, há crescente criminalização das manifestações populares. A TV exibe, todos os dias, multidões inconformadas reprimidas violentamente pela polícia. Dos dois lados do Mediterrâneo o povo protesta. As mobilizações, contudo, têm efeito limitado. A indignação não resulta em proposição. O grito não se consubstancia em projeto. Wall Street (Rua do Muro) é ocupada, não derrubada, como o Muro de Berlim. Não são sinalizados “outros mundos possíveis”.
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O bem estar que se procura assegurar, hoje, é o do mercado financeiro. O Estado deixou de ser financiado somente pelos impostos pagos por empresas e cidadãos. Outrora os mais ricos pagavam mais impostos (nos países nórdicos, ainda hoje chegam a 75% dos ganhos), de modo a redistribuir a renda através dos serviços oferecidos pelo Estado à população.
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A partir do momento em que a elite começou a grita pelo Estado mínimo e por pagar cada vez menos impostos (como vimos proposto na campanha presidencial dos EUA), os Estados viram crescer suas dívidas e se socorreram junto aos bancos que, fartos em liquidez, emprestavam a juros reduzidos. Assim, muitos países se tornaram reféns dos bancos.
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Caso típico é a relação da Alemanha com seus pares na União Europeia. Os bancos alemães emprestavam dinheiro à Espanha – desde que ela adquirisse produtos alemães. Agora, a Alemanha é credora de metade da Europa. Isso dissemina uma nova onda de antigermanismo no continente europeu. No século XX, duas vezes a Alemanha tentou dominar a Europa, o que resultou em duas grandes guerras, nas quais foi derrotada. Agora, no entanto, ela ameaça consegui-lo por meio da guerra econômica. Mais uma vez a pedra no sapato é a França de Hollande que, contrariando todas as expectativas, escapou este ano da maré recessiva que assola a Europa.
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Países da América Latina e da África resistem à crise através da exploração e exportação da natureza – minérios, produtos agrícolas, combustíveis fosseis etc. Porém, quem fixa o preço das commodities são os EUA, a China e a Europa. Cada vez pagam menos dinheiro por maior volume de mercadorias. O mercado futuro já fixa preços para as colheitas de 2016! Tal especulação fez subir, nos últimos anos, o número de famintos crônicos, de 800 milhões para 1,2 bilhão!
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Infla, assustadoramente, o preço de mercado dos dois principais bens da natureza: terra e água. Empresas transnacionais investem pesado na compra de terra e fontes de água potável na América Latina, Ásia e África. Nossos países se desnacionalizam pela desapropriação de nossos territórios. A grilagem é desenfreada. O curioso é que as terras são adquiridas com os habitantes que nela se encontram... como se fizessem parte da paisagem.
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Há uma progressiva desmaterialização do trabalho. A atividade humana cede lugar à robotização. Nos setores em que não há robotização, campeiam a terceirização e o trabalho escravo, como a mão de obra boliviana e asiática usadas em confecções brasileiras. Já não há distinção entre trabalho pago e não pago. Quem remunera o trabalho que você faz via equipamentos eletrônicos ao deixar o local físico em que está empregado?
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Outrora se brigava pela remuneração de horas extras e do tempo gasto entre o local de trabalho e a moradia. Hoje, via computador, o trabalho invade o lar e sonega o espaço familiar. A relação das pessoas com a máquina tende a superar o contato com seus semelhantes. O real cede lugar ao virtual. Suprime-se a fronteira entre trabalho e domicílio.
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O conhecimento é mercantilizado. Nas universidades tem importância a pesquisa capaz de gerar patentes com valor comercial. O conhecimento é aferido por seu valor de mercado, como nas áreas de biologia e engenharia genética. O professor trancado em seu laboratório não está preocupado com o avanço da ciência, e sim com seu saldo bancário a ser engordado pela empresa que lhe banca a pesquisa.
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Essa mercantilização do conhecimento reduz, nas universidades, os departamentos considerados não produtivos, como os de ciências humanas. Decreta-se, assim, o fim do pensamento crítico. E, de quebra, o do conhecimento científico inventivo, que nasce da curiosidade de desvendar os mistérios da natureza, e não da sua manipulação lucrativa, como é o caso dos transgênicos.
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A esperança reside, pois, nas ruas, na mobilização organizada de todos aqueles que, de olho nas nuvens, são capazes de evitar a borrasca por transformar a esperança em projetos viáveis.
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* - É escritor e teólogo
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