domingo, 14 de outubro de 2012

Educação e (des)motivação

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Por Lúcio Alves der Barros*
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Um comportamento que venho percebendo entre meus amigos professores parece-me ostensivo, repetitivo e complexo. Por onde ando observo professores e professoras bastante desanimados, desmotivados, cansados, atarefados e melancólicos. A percepção não é nova tampouco é privilégio de alguns. Às vezes uma pequena e simples conversa é o bastante para perceber os motivos da não ação dos docentes. Por aqui vou arriscar algumas, mas sei que meus colegas encontrarão muitas outras.
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Em primeiro grande parte da desmotivação dos docentes está na desvalorização que vem sofrendo historicamente a profissão. Há séculos a educação massificada, proletarizada e deteriorada vem sendo questionada como uma possibilidade de trabalho e realização profissional. A ideia do professor ou da professora como uma entidade, um símbolo, uma estrutura de caráter ou mesmo força moral é coisa do passado. E coloque passado nisso. Nestes dias professores somente “dão aulas”, não são dignos de bons salários e é difícil encontrar uma função para eles nesse mundo da velocidade, da prontidão e da informação enlatada. Em geral, esse é o pensamento oficial que anda nas cabeças dos alunos, principalmente daqueles que não gostam de estudar, ler, escrever, observar e frequentar a escola. Esperar motivação em uma conjuntura como esta é o mesmo que nadar e não chegar à praia. Não sei se dias melhores virão.
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Um segundo ponto que claramente revela a desmotivação do professor é a falta de respeito, de responsabilidades e de trabalho dos estudantes. Alunas e alunos, nos dias atuais, e verdade seja dita, não tem a paciência para a leitura. E, se estão lendo como quer os linguistas, estão lendo precariamente e “aos poucos”, “pulando” como disse um dos meus alunos. E como quer a maioria, “porque não ler e estudar pelo facebook, pelo orkut, pela internet ou mesmo pelo twitter?” “Qual é o problema de copiar as coisas da internet?” Convenhamos, perdemos o rumo do certo e do errado, é impossível animar na leitura de plágios e trabalhos que não foram resultado de trabalho. Está difícil a leitura com enfoque. Arrisco a dizer que, em sua grande maioria, os estudantes sequer têm ideia do que é ler um conteúdo com organização, disciplina, tempo, funcionalidade e crítica. Eles estão lendo em pipocas: come-se aos poucos e até empanturrar. Sem leitura eficiente e com tempo - coisa difícil para um estudante da era do "eduentretenimento" - dificilmente se ensina. As atividades são copiadas da internet, um jogo tácito de aceite de plágios já é norma em escolas, faculdades e universidades e não ao acaso as bibliotecas são entendidas como locais de doidos e alergias diversas. É um caos. Trabalhar falando para pombos que voam em meio aos milhos é o mesmo que sentar em frente da TV dominical. A desmotivação me parece total.
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Um terceiro ponto e que não está dissociado do segundo é a empáfia dos pais e das autoridades. A dos responsáveis chega a ser cruel. Normalmente eles tentam seguir o filho que não é um estudante, mas que diz participar e frequentar as aulas.  O atraso do "anjo" que ele colocou no mundo torna-se culpa do docente que ele nem conhece. A tolice das autoridades reside na constante culpabilização dos professores pelo caos que a educação se encontra. O fato é que o discente que não estuda, os pais que não conhecem o trabalho da escola e as autoridades que culpabilizam os docentes pela crise na educação forjam o perigoso e vicioso ciclo da crise na educação. Um ciclo que se repete ao sabor da escassa autoridade do professor e do descrédito que vem tendo suas instituições. Se ela for pública a questão tende a se agravar e se for privada toma tons de fascismo e barganha em torno do mérito em frente aos índices esdrúxulos dos órgãos governamentais. Fato é que a motivação docente já foi a essas alturas para o espaço. É impossível trabalhar em campo minado, onde os professores reclamam ter medo de alunos, pavor das redes sociais, terror das autoridades e angústia em relação ao futuro que não parece nada estabilizador.
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Destaquei três possibilidades do desânimo que pode explicar um pouco a conjuntura na qual os docentes estão inseridos. Costumo brincar com os meus colegas cansados e muitos já doentes, que a coisa não está feia, mas ela é feia. Na verdade somente brinco porque não sei como lidar com uma situação que também vivo. Chego a brincar com a ideia de uma espécie de “pedagogia do espermatozoide”. Ela é muito simples: é bom para o docente pensar que se o aluno chegar tal como chega um espermatozoide é possível que tenhamos grandes mudanças e revoluções. Aquele que chegou, em geral, “é a nossa alegria”, o orgulho, a sensação do dever cumprido e sempre fonte de inspiração e motivação. O problema é que este espermatozoide tem ficado entre os que não conseguem chegar e, quando chega, não sabe ler, não consegue entender as letras, é incapaz de resolver qualquer problema e de responder a uma questão. Ele é quase um analfabeto funcional. Infelizmente, é o momento em que sabemos que o espermatozoide não vingou. Perdemos tudo: a força, a vontade, a vitalidade e um novo estímulo ao corpo social. É o momento em que se matam aos poucos os docentes, pois se espera outro futuro para o aluno que nasceu errado. Foi ele resultado de “masturbações” acadêmicas, políticas e sociais. O desânimo docente aumenta diante da falha de sua escola e de outros mecanismos de socialização. A conjuntura fica mais complexa quando o discente é esperado em outro lugar, como na rua, no campo das drogas ou do crime. É um mundo sem educação e gozo. É um mundo sem sonhos, sem salvação e possibilidades de levar o outro a um outro lugar. É um mundo de ninguém, sem ação, sem motivos para a ação, para educar e ser educado.
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*Professor da Faculdade de educação (FAE) /BH/ UEMG.

Um comentário:

  1. Excelente post! Vou (re)publicá-lo em meu blog e compartilhar no Facebook com as devidas referências, é claro. Parabéns!
    Rosa

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