terça-feira, 5 de junho de 2012

"Tudo ou Nada"



“Tudo ou nada”
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Lúcio Alves de Barros*
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“Tudo ou nada”, 10 letrinhas cuidadosamente selecionadas abrem a porta de entrada do novo livro de Luiz Eduardo Soares. Segundo o autor foi difícil chegar a esse título. Depois de horas e horas, inclusive de insônia, eles chegaram ao veredito. "Tudo ou Nada - A história do brasileiro preso em Londres por associação ao tráfico de duas toneladas de cocaína" (Editora Nova Fronteira, 360 páginas, 2012). Isso mesmo, “Tudo ou Nada”: nem um pouco de muito nem um pouco de nada, parece ter sido o título perfeito segundo o próprio personagem principal do enredo da história.
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O livro é uma obra sem igual, a meu ver muito mais bem escrito e cuidadoso do que os outros em coautoria com André Batista e Rodrigo Pimentel, “Elite da tropa 1 e 2” (2006 e 2010, respectivamente) ou mesmo do interessante “Cabeça de porco” de 2005 em coautoria com MV Bill e Celso Athayde. No “Sempre um papo”, realizado em Belo Horizonte (04 de junho de 2012), o próprio Luiz Eduardo Soares informou que foram mais de quatro anos para escrever o livro e que o personagem já estava ansioso pelo resultado. Muito trabalho que saiu de um encontro em um bar em Copacabana, no qual o autor – inicialmente – disse que pensaria em escrever. Sorte dele e de Ronald Soares (o Lukas Mello no livro) que teve a amizade, o aconchego e como gosta de dizer Luiz Eduardo Soares, a “generosidade de contar sua história”. E não é qualquer história, é um belo relato de uma vida que começou e não acabou em pó.
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A obra disserta o enredo individual e social das dores emocionais e físicas de um jovem economista formado na federal do Rio de Janeiro que depois de fazer um pouco de dinheiro resolveu navegar pelo mundo. Navegar literalmente, pois o próprio Ronald Soares disse um pouco de suas aventuras, sofrimentos e prazeres dentro de um veleiro em alto mar. O mar, esse maravilhoso espaço de Deus que sempre lembra (a)mar, mas que de uma forma ou de outra foi o palco privilegiado para Ronaldo Soares iniciar o seu calvário (palavras de Luiz Eduardo Soares) até sua prisão na Inglaterra. E o simpático Ronald, que é tímido diante de câmeras e de muitas pessoas, é gente como a gente. A narrativa de sua vida é a de um jovem cheio de vida e esperança, fincado em raízes da famigerada classe média da zona sul do Rio de Janeiro e que foi hippie em um momento em que paz e (a)mar faziam antítese à cultura vigente. O personagem, atualmente com 61 anos, fala devagar de seu revés amoroso que o levou a deixar tudo e ao mesmo tempo buscar outra forma de enriquecimento que não o trabalho duro e amargo da maioria dos brasileiros.
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O antropólogo Luiz Eduardo Soares disse que não gravou uma linha sequer da história de Ronald Soares e asseverou que a narrativa foi resultado do que sentia depois de longas e longas conversas com seu companheiro de trabalho. Pelo desenrolar da conversa daquele dia, aparentemente, o livro não se assenta em ficções, a não ser por alguns nomes e lugares que o autor resolveu por “pudor” não revelar. De todo modo, a engrenagem que se movimenta a partir de Ronald o coloca de frente e depois no interior do tráfico internacional de drogas. No interregno de 1996 a 1999, o brasileiro tornou-se um importante “representante comercial” de um grupo associado ao já conhecido colombiano Cartel de Cali. Assim seguiu sua trajetória até ser preso e condenado a 24 anos de reclusão por traficar duas toneladas de cocaína para a Inglaterra. Suas relações perigosas e ilegais, por vezes interessantes e complexas são curiosas, fantásticas e, não poucas vezes, beiram realmente a uma ficção. 
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A própria história de um jovem que chega a ser uma das cabeças do tráfico de drogas parece inimaginável. O percurso de uma subjetividade adolescente, a qual amarrada à cocaína se torna adulta é descrita de forma genial. E essa história, quando associada ao percurso do pó branco que sai da selva colombiana em aviões e aeroportos clandestinos e chega à Europa e nos EUA repleta de perigo, emoções, inseguranças e medo teceu a história de Ronald com muitas pessoas e coadjuvantes. Inclusive, quando tudo parecia já ter terminado.
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Ronald Soares descreveu em voz firme e calma a sua experiência na prisão de segurança máxima em Londres. Solitário e na solitária, o trocadilho tem o seu sentido, Ronald Soares passou por maus bocados. Lá, diferentemente de cá, as coisas funcionam no sentido de quebrar o indivíduo. O sofrimento e a angústia - “sem um tapa” - podem ser bons companheiros, mas não tão bons quando em 40 e em 40 minutos um oficial da polícia lhe visita para descrever o que está acontecendo no seu pequeno cubículo. Essa dor da vigilância constante, a qual certamente deve ter causado alguns transtornos psíquicos e físicos - porque é claro que se fica esperando, britanicamente, como diz o personagem, o retorno do próximo oficial - pode ser chamada de uma “tortura de primeiro mundo”. Em um campo no qual o toque humano é raridade, um telefonema um verdadeiro presente, a visita uma possibilidade e o banho de sol naturalmente fora de cogitação é plausível perguntar o porquê da não preferência pela morte. Mas como tudo conspira para a vida, Ronald Soares não se rendeu e, como disse - diferentemente de muitos que estavam por lá -, “via uma luz no fim do túnel” e se apegou a ela: “as mulheres” de sua vida ressignificando sua trajetória, história e sociabilidade esgarçada.
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A história desse homem é fascinante. Ele cumpriu 12 anos de prisão e após ser transferido para Bangu no Rio de Janeiro, “que parecia uma fazenda e onde eu via o esgoto a céu aberto, ouvia o canto do galo e via céu azul”, teve sua pena extinta em julho do ano passado. Tanto no livro como no “Sempre um Papo” Luiz Eduardo Soares contou resumidamente o drama da filha de Ronald. Uma jovem guerreira que aos vinte e poucos anos de idade ficou sabendo da história do pai e viu sua casa ser invadida pela polícia federal. Logo depois ela se engajou na luta por sua liberdade e, obviamente, abriu mão de sonhos e desejos. Para não tirar a curiosidade dos que gostam de ler vou finalizando por aqui, justamente porque acho que está aí mais uma boa história para o professor e cientista social Luiz Eduardo Soares contar com maiores detalhes, pena que ele anda sem tempo.

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* Professor da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais) na FAE (Faculdade de Educação) em BH. Autor do livro “Fordismo: origens e metamorfoses”. Piracicaba: Ed. UNIMEP, 2004; organizador da obra “Polícia em Movimento”. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006 e organizador de “Mulher, política e sociedade”. Brumadinho, MG: Ed. ASA, 2009.

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